domingo, 9 de outubro de 2016

Deixe Fluir as Vibrações

O dia da apresentação está chegando e com ele uma imensidão de emoções. Ainda não não consegui decorar todo o texto, mesmo sabendo que faz parte do processo, sinto que cheguei em parte no período em que minha mente está pedindo um pouco de pausa. É estranho falar isso. Talvez seja por conta da vida particular. Sabe, quando você chega em aula para ensaiar, as pessoas não querem saber se está tudo bem ou não. Ali, temos todos um objetivo em comum, a preparação para o dia tão esperado, e eu sei que se quer posso me dar a chance de dizer que quero relaxar. Além da data que se aproxima, há também a minha saúde, há a vida financeira que não tem sido muito boa. Recentemente também descobri que minha cadela, que ficou com minha família em manaus, está doente, e eu se quer posso ajuda- la em algo. Comecei a estudar os editais para saber melhor como proceder e tentar algo no próximo, preciso agir, se tem algo que percebemos durante essa caminhada é que a vida é curta, o tempo é mais ainda e a área requer tempo para estudo. Imagino como deve ser a vida de quem já trabalha na área... essas pessoas que realmente aparecem como bons artistas e teatrólogos, elas vivem essa área intensamente. Elas respiram a arte. Aliás, qualquer um que queira mais em sua área acaba por respirá- la. 
Além da vida particular e da vida Alice, há o estágio e o Projeto, no qual resolvi me aprofundar dessa vez. Escolhi a Hibridização Teatral por conta do momento em que estamos. Num dos encontros sugeri à S. Chagas, uma das atrizes voluntárias, que trouxesse um pouco de sua vivência com o grupo de capoeira em que está inserida, e, a mesma levou para o encontro alguns bastões com a proposição de demonstrar um pouco do maculelê. 



Como aparece no vídeo acima, o maculelê consiste numa dança ritualista advinda de uma lenda afroindígena de maculelê, índio de uma tribo, que, ao ver sua aldeia sendo atacada por inimigos, teria liderado um grupo de índios na defesa de sua aldeia, utilizando- se de bastões. Tendo os guerreiros retornado à aldeia, ficaram sabendo do ocorrido e fizeram grande festa ritualística em prol da grande coragem do índio. Essa dança atualmente é praticada em praticamente todo o brasil, por conta do grande espaço que a capoeira tem conquistado há anos. Esse ritual, além de nos impactar com os movimentos corporais juntamente aos bastões, nos remete a historicidade e diálogo cultural. Por conta de ter como base o resgate de raízes culturais, obtivemos um grande avanço, sinto que estamos indo muito bem não somente em relação às buscas mas também em relação ao tempo. Além de algumas questões que vem surgindo com a pesquisa, deparei- me com a questão da Kelly, na qual venho me perguntando sobre o diálogo em grupo, pelo fato de não te- la como integrante ativa desde o início, tem sido mais difícil a pesquisa sobre a mesma, mas isso é muito bom, pois tem sido uma barreira motivadora, há algo a ser decifrado, lembro- me assim do que dito por Arruda enquanto me orientava em relação a um de meus alunos de estágio, ela mencionou sobre o mistério da esfinge- decifra- me ou devoro- te. Antes de sua entrada no grupo havia uma certa linearidade, isso porque ambos os atores tinham vinculos bem similares e de repente vemos Kelly como alguém assimilar, alguém que nos faz pensar sobre o verdadeiro diálogo e como essa diferença influencia como gerador de poética. Remeto- me novamente ao maculele como um fator gerador de poética. Isso porque, apesar de se tratar de uma dança ritualística com um contexto histórico fortalecendo sua base. Decidi pegar essa partes dessa base e reconstruí- la trazendo para a pesquisa pessoal. Deixei todos os atores a vontade para conversar, com o intuito de que em algum momento essa vibração fluiria. 

Atores voluntários no projeto de resgate de raízes

O procedimento se deu da seguinte maneira: primeiro experienciamos a base do ritual, a fricção entre os bastões seguindo um ritmo em concordância com os pés e movimentos das mãos, como numa sequencia de 3 em 3 batidas de compasso. Quando vi que todos pareciam excitados com o momento, pedi que cada um, ao seu tempo fosse iniciasse uma pesquisa advinda da relação que obtiveram anteriormente e a vibração que o bastão, agora instrumento, lhe fazia sentir, deixando escapar, externalizar esses sons através da fricção dos bastões e da reação do corpo às mesmas, potencializando-as em voz. O que tivemos foi um retorno lindo, cheio de ruídos (pesquisas sonoras das batidas) que se juntavam formando vibrações (batidas harmonizadas) e cheio de afecções (busca sonora, a palavra falada), músicas de axé, africanas, palavras soltas como por exemplo tomate, números, que aos poucos formavam canções. Percebi naquele momento que o trabalho de cada segunda- feira e por vezes pesquisas a parte não tem sido em vão... além da busca dos voluntários, tenho feito as minhas à parte, para ter como uma vibração que possa externalizar em algum momento. Obviamente que já informei sobre a grande hibridização de meu próprio genes, nessa busca comigo mesma, acabei encontrando algo. Numa das tardes em que estava chegando cedo por conta dos estudos, me deparei com ruídos muito familiares vindos do gimnica. Olhei por uma das brechas e vi várias pessoas com kimono, no mesmo instante senti- me energicamente e estranhamente feliz. Lembrei- me que há dois dias atrás eu fazia minha pesquisa de resgate de raízes em casa, e além de buscar no japão, traços de guerreiros samurais e sua conduta, traços de gueixas e suas danças que exigiam destreza e leveza, também procurei no kung fu punhos de tigre e outros estilos como uma pesquisa profunda do que essas pessoas representam em mim que me fazem querer estar sempre próxima a elas. Há algo em mim que é tão forte e não consigo explicar. Esse momento passou tão rápido em minha mente enquanto meus olhos fixados através das lentes arranhadas de meu óculos assistia aquelas pessoas treinando e exercendo essa vibração que gera um êxtase profundo em meu corpo. Um rapaz que já estava ali fora ficou me olhando e por conta de algo incontrolável, resolvi perguntar se poderia ver um pouco do treino e ele sem parecer pensar duas vezes, disse: mas é claro que sim, você não quer participar? 
Eu realmente não sei como explicar quando sinto isso, o coração parece que está desfilando com uma escola de samba. Sim, fiquei nervosa demais e ao mesmo tempo olhei para minha roupa, retribui o olhar com a resposta de que não minha roupa não era apropriada e que precisaria sair logo em seguida, pois tinha dado minha palavra no dia anterior de que estaria no laboratório para ajudar com as máscaras. Então disse que apenas iria observar para não ter que sair no meio do treino. Mas, se quer tive tempo de sentar o professor Hícaro, que daqui a dois meses será mestre faixa preta em taekwondo se aproximou e falou, vai ficar só olhando ou vai participar... eu não sabia o que responder.. na verdade eu tenho esse problema imenso em relação a hierarquia, de não falar tão alto, de manter distância e respeitar o máximo possível a pessoa acima de mim. E ele se encaixa nisso, então apenas lhe disse que minha roupa não era adequada e não poderia ficar até o final, mas o professor insistiu, foi quase como uma ordem, antes de falar uma frase parecida como uma manipulação, realmente você poderá ficar assada com esse short. Eu fui. Durante o treinamento intenso em alguns momentos de dor e medo de cair no chão sem força eu me perguntava- sami, o que você está fazendo aqui! Ele deu um tempo e perguntou se estávamos com sede, e eu instantaneamente respondi que sim. Ele logo retribuiu minha resposta- então vamos fazer duas sequências com dez flexões e depois disso poderão beber água, mas se alguém cair dobraremos o número. Na hora eu não conseguia acreditar que ele havia feito isso, parecia uma pegadinha, eu estava morta... ou parecia estar,.. descobri que meu corpo aguenta mais do que imagino, pois consegui finalizar a sequência e beber a tão preciosa água. Tudo o que acontecia enquanto eu estava ali, treinando, parecia muita informação para uma só tarde e eu não havia me dado conta do quanto o tempo havia passado, depois de muitos chutes já sem força eu disse que realmente precisava sair, mas o professor disse- eu lhe vejo na próxima aula. E, como uma discípula fiel e sem noção momentânea de todo o acontecimento respondi que sim, mas que chegaria atrasada por conta de outros compromissos. E ele apenas me respondeu- chegue aquecida sami. Tudo tem sido muito estranho desde esse dia... porque mesmo com todos os meus problemas, mesmo com minha saúde que me perturba constantemente, mesmo com os textos, durante o treino é como se eu conseguisse escapar de todos os problemas. Eu canso o meu corpo, mas a minha mente treina constantemente. Meu psicológico também tem sido treinado, no ultimo treino eu tive minha primeira luta para trabalhar a percepção, esquiva e defesa numa situação de risco. Eu apanhei muto de meu grande colega filipi, que possui pernas longas com angulos muito maiores que os meus no chute, estou com alguns hematomas, no momento em que ele estava me chutando uma parte de mim queria chorar, essa parte dizia que eu não estava aguentando e que aquilo era demais pra mim; a outra parte de mim não aceitava que eu iria chorar e dizia, encontre uma forma, chute também, não desista, e, em contra partida havia o rapaz que me instruia enquanto o professor conversava com minha colega que havia lutado antes de mim e chorava muito. Ele dizia, sami, pensa, ele é mais alto, a perna é mais longa, encurta a distância, mas tudo o que eu recebia parecia um emaranhado de informações que não parecia se encontrar, em conjunto aos chutes tudo parecia uma bagunça dolorida. Como ultimo recurso, escutei o que o instrutor disse e tentar chegar o mais perto possível de meu oponente e tentei chutar o mais alto que pude, eu apanhei muito, mas também o golpeei muito. Além do taekwondo, estou praticando judô com o professor Daniel, que é uma pessoa maravilhosa também e conhece manaus, pois já viajou para lutar em um evento. E, estou praticando um pouco de capoeira. O taekwondo envolve a harmonia e o equilibrio de 30 por cento em mão e 70 por cento em pernas e é uma arte marcial sul- coreana em defesa pessoal, o judô é uma arte marcial japonesa, que consiste também na espiritualidade em conjunto com o físico e a mente em defesa pessoal e diferente do taekwondo, possui algumas tecnicas assustadoramente lindas, é uma arte marcial apaixonante. A capoeira é um estilo de luta advinda de origens africanas, que consiste numa luta em forma de dança, em roda, suas caracteristicas são bem ritualísticas e a mesma é feita em dança por conta da proibição da luta, foi como uma maneira de burlar regras. Praticar as artes marciais tem sido cansativo, provavelmente terei de abandonar a capoeira por conta do horário. Mas, o judô e principalmente o taekwondo tem sido uma lição de vida pra mim. Sempre que consigo exercer um dos movimentos de maneira correta, meu corpo e mente vibram e me sinto estranhamente perto de meus ancestrais. Também gostaria de salientar as similaridades de alguns treinamentos com regras de jogos teatrais utilizados por nós, como por exemplo o espelho e campo de visão, que são ditos exatamente do mesmo modo e com praticamente a mesma intenção, o espelho serve para que nossa mente esteja atenta a cada passo que o oponente exerce e o campo de visão para que possamos exercer um movimento em defesa, numa situação de risco. 

Referências Teóricas


Att: Sami Cassiano