domingo, 6 de novembro de 2016

ALICE


Ela é Real
Eu não posso torna- la real

A busca profunda por um quem... afinal de contas quem eu sou ? Essa pergunta tem sido motivo constante durante o período de ensaio para o espetáculo. Me aprofundar não apenas num personagem mas em vários deixou- me extremamente eufórica, não por não estar preparada, mas por ficar com receio de no final não saber exatamente quem eu realmente seria. Eu seria uma Alice, uma mistura de Alice, um lapso de uma lebre pela qual trabalhei tanto para ser e acabei sendo menos do que imaginei que ainda o  poderia, ser povo, alguém do povo, uma rosa? No fim das contas tenho me visto como uma metamorfose, exatamente como fiz em minha primeira performance sobre a concepção de que personagem me escolheria, uma alice híbrida, confusa, que por vezes se sente como parte daquele lugar e outras não consegue entender quase nada do que está realmente acontecendo. Se essa Alice existe em mim, ela é exatamente isso, essa confusão alocada num espaço cheia de conflitos internos que por hora quer ser parte de tudo aquilo e outra quer apenas sumir. Durante esse processo de criação tenho me visto passando por 3 fases:
Empolgação- Nela, tudo é mil maravilhas, leio textos, faço pesquisas, desenho sobre os personagens, penso nos figurinos, construo partituras corporais e as apresento, sendo as mesmas aceitas, é quase como quando nos apaixonamos por alguém e ficamos tão excitados com toda a situação que acabamos por esquecer que a paixão é como uma faca de dois gumes, na primeira impressão somos levados às alturas pelas aventuras, mas depois vemos como a realidade realmente é, cheia de lamentações, erros, falhas, implosões, desilusões, enfim, depois enxergamos o outro como ele realmente é. E, assim tem sido essa experiência. 
Metamorfose- A transição de uma fase para a outra, de forma dolorosa, tendo de entender, calar, aceitar, independente de ser seu erro ou não. O momento em que a realidade começa a mostrar sua face e você tem que encara- la e aceitar. Pra mim esse é o pior momento, pois saí do mesmo há pouco tempo e horrivelmente cheia de cicatrizes. Sabe todas aquelas pesquisas feitas no início, todas as construções elaboradas, os jogos, a bendita cena da lebre, o imenso texto dos narradores, tudo se fez, re- fez, desfez e refez- se novamente, e durante esse processo tudo parece um emaranhado de desorganização, um caos. Pois você ver a data se aproximando e o texto para decorar ainda não é o certo, e nada parece ser ainda realmente certo. E, pior ainda, ter de aceitar atores estrelas, literalmente!!! Esse parece ser o momento de teste, vamos lá, ou você aguenta ou não? Algumas noites eu acordei tendo pesadelos e outras noites eu simplesmente não conseguia dormir com tanta informação em minha cabeça.
Reta Final- Começamos a nos encontrar constantemente, são feitas fricções entre os atores para cada cena, são passados novos exemplares editados da cena. As cenas começam a ganhar forma, gerar poética e você começa a entender que algumas discussões foram realmente necessárias, que algumas coisas com as quais não concordou a princípio, deram certo afinal. A aflição fica numa espécie de linha tênue por conta do tempo decorrido para que algo saia belo e com bons resultados. A data se aproxima e algumas coisas ainda não estão prontas mas você se sente estranhamente excitada com isso. 
Alice mexeu comigo de tal modo que não sei ao certo mesmo como explicar. É como se eu tivesse aceitado entrar nesse mundo de loucuras, aonde o nonsense faz mais sentido que a realidade, aonde se reflete sobre o nonsense, onde pessoas possuem traços animalescos nos quais eu ainda não havia parado para reparar e tudo parece uma corrida eleitoral, pois estou realmente numa corrida louca sem saber onde chegarei e quem irá ganhar. Quando estou no projeto de Brenda Perim, sinto - me como um ser híbrido, sinto- me como uma garota que implora para que a Alice fique alí fora lhe esperando para não me atrapalhar, mas as vezes pareço ver seu olhar por entre as frestas querendo bisbilhotar. Numa tarde dessas eu estava numa floresta e de alguma forma ela conseguiu entrar e estava louca querendo participar, querendo saber que seres eram aqueles com quem eu conversava, o problema maior de todos é que ela é muito curiosa e por isso acaba indo aonde não deve ir e se metendo em tantas confusões, talvez ela seja uma das causas de meus atuais conflitos, pois nunca me senti tão estranha.
Interpretação

Criei um certo vício em relação à memorização pela repetição da escrita e monólogo interno, mas recentemente Arruda nos direcionou por um novo método, o de fala interna- espátula em diálogo com c monólogo e a escrita, o que seria, de maneira exemplificada, palavras curtas, reações rápidas e potentes que irão intensificar a externalização dos diálogos e ações.Ao exercer a estruturação de cada detalhe de meu personagem, como especificadamente o de Alice, na cena 4, a casa do coelho, busco a palavra que irá gerar esse impulso interno, essa palavra pode ser FOGO?! com a resposta, SE FIZEREM ISSO, EU SOLTO DINÁ EM CIMA DE VOCÊS! 
Confesso que recentemente tenho pensado mais nessa cena, talvez pelo fato de que ela só tenha parecido realmente mais elaborada para mim agora, na reta final, mas, lembro- me, inclusive de ter sido chamada a atenção por Arruda, durante o início da cena- eu estava indo em direção à Mari, me ajustei ao seu lado e fiquei com o rosto triste, mas na concepção de Arruda, minha expressão parecia muito fake, e possivelmente ela estava correta, nesse dia eu estava frustrada, aliás, todas nós, sentimos a pressão de algo que ainda parecia um esboço. Parecia não haver qualquer monólogo ou palavra espátula que me impulsionasse. Porém, Arruda, me deu uma base, pedindo que eu explicasse porque Mari parecia triste e de que maneira aquela situação me afetava. Isso foi estranho, de repente vi que não estava dando meu melhor, que estava deixando toda aquela situação tomar conta de mim. Minhas palavras são sinceras quando menciono o sorriso da direção ao ver que enfim algo ali deu certo e fez sentido. Depois de todo esse tempo vejo que necessito urgentemente resgatar algumas pesquisas dos personagens para deixa- los mais estruturados, principalmente dessa garota curiosa. Uma das falas mais excitantes da cena 4, em minha visão, é:- EU SEI QUE ALGO INTERESSANTE SEMPRE ACONTECE QUANDO EU COMO OU BEBO ALGUMA COISA, essa frase me faz parar para pensar em como essa garota realmente é, ela parecia quase o tempo todo excitada com o fato de que tudo parece estar sempre em transformação, tudo torna-se alguma coisa, tudo parece muito metamórfico ou até paradoxal. Creio que necessite voltar ao view points como uma pesquisa pessoal, uma passagem por cada cena, me redescobrindo, principalmente para a cena 4  e cena 12, pois há uma quebra e visualidades entre um personagem em transição e um personagem como uma das facetas de Alice, sendo um ser dark, obscuro e sensual. 
Vejo que posso melhorar na reação que exerce quando o coelho olha para mim falando sobre minha cara de palerma e a corrida que exerço nessa transição. Melhorar a maneira como ele me afeta, minha expressão de susto junto ao pulo. É como se eu ainda não tivesse visto o meu melhor nessa cena, uma média de 6 eu diria até chegar no dez parece haver uma infinidade de números... Para pra pensar em algo que me causaria tamanho susto. Como quando eu fazia alguma besteira e era pega de surpresa por meus pais, ou quando eu e minha irmãs fazíamos uma busca nos armários e guarda- roupas de casa quando estava perto do natal, para ver se achávamos algum vestígio de presentes. 
Numa tarde dessas eu estava indo pentear meu cabelo para ir estudar, abri a porta do guarda- roupa, vi um potinho de vidro que guardei desde a ultima apresentação de dramaturgia, lembrei- me na mesma hora do roteiro e comecei a falar VI UMA GARRAFINHA DE VIDRO PERTO DO ESPELHO, depois eu só sabia rir de como há coincidências como essa garrafinha perto do espelho. 
Há algo que sinto grande relevância em falar, sobre João Pedro, que tem exercido um trabalho magnífico durante todo esse processo, o João me faz pensar que a excelência em meio ao caos é possível, que a desordem para alguns significa ordem para outros. Ele me fez perceber o papel escolhendo o ator e não o ator escolhendo o papel, a maneira como cada movimento, que aliás me faz lembrar muitíssimo a biomecânica, determina a agonia da pressa do coelho, a agitação, e então nos surpreende com uma voz única de um personagem, PAT. Essa interpretação me inspira.
CORIFEIA- Um dos personagens mais insanos. Eu tive de friccionar muito em casa um parágrafo tão pequeno e tão significativo. A questão toda da corifeia é o fato de que ela seja uma cozinheira insana, sem escrúpulos. Eu a vejo como uma velha louca que não está nem aí se vai ser demitida ou não e que quer mais é ver o caos. 



Quando inicio: Não aguento mais! Ish Peraí... VOU FUDER ESSA MERDA! Só me vem essa mulher na cabeça, porque não tem como pensar palavrão sem não pensar em Dercy, e o mais interessante é a voz rasgada dela, que me faz pensar na parte É UMA VACA! 
Posso dizer que a cozinheira exige uma estrutura muito completa, mesmo sendo um personagem que mais figurante do que propriamente personagem, pois nessa cena temos o coro, temos um pouco de campo de visão e movimentos rápidos que dialogam com as palavras: TOMA SOPA!! MAIS" MAIS" MAIS", lembro- me das ações de Camilo durante a pesquisa no campo de visão para essa cena. O momento em que jogamos a pimenta, externalizamos a palavra espátula até hoje: TOMA!!!
A minha partitura corporal consiste um pouco de rock, voltado para o system of a dowm e slipknot porque eles possuem um gênero que por vezes alterna a batida gerando uma quebra de ritmos sonoros, eu busquei essa composição de uma das aulas de voz em que durante nossas pesquisas tínhamos de escolher uma composição sonora de rock e alternância com uma música de ninar e a elaborei como view pointes vocal e corporal para o momento em que há a canção da Duquesa e o refrão com os gritos dos cozinheiros OPAA!!



As Rosas- Um lindo papel, que remete suavidade, leveza, fragilidade, mas que se baseou de uma cena completamente sombria. Quando conversei com as meninas, a primeira ideia de rosa que me veio em mente foi com referência às cenas do filme Terror EM Silent Hill.


A Regra de jogo delas parece se basear ao som e à luz, e para as rosas, a regra é a alergia à tinta e reação aos gritos da Rainha. 
E, especificamente para às reações à Rainha, a primeira imagem que me veio foi a de Sidney Magal, por conta da maneira como move as mãos, então não queria trazer apenas um corpo extra- cotidiano, mas ter um impulso de rosa mesmo. Pode parecer engraçado, mas faz muito sentido durante a cena.


Povo- Enquanto pensava nas estruturas de cada personagem, não me pensava como povo, até Rejane chegar em mim e avisar que a lagosta era povo e que teria uma roupa base específica para o povo, como estilo formal e uma das principais referências sendo as performances dos bailarinos de Pina Bausch. É delicado falar sobre povo, por um momento você se sente como alguém que pode não ter tanta importância, mas depois, quando ver a formação do grupo, principalmente na cena da corrida eleitoral e quadrilha das lagostas percebe que cada ação, cada expressão é tão importante quanto às dos outros personagens, pois o mínimo erro pode sujar a cena. Como animal marinho e parte do povo escolhi ser a foca.

Simplesmente por ser fofinha e gordinha. Acredito que a cena da quadrilha é uma das mais legais, por conta da dança e música, sinto- me como se tivesse voltado à infância. Não importava como eu sempre estava presente nas quadrilhas e festas juninas. Eu realmente sinto muita falta disso... Então não havia nada melhor do que trazer essa lembrança como substituição. 

Lebre de Março- Ah... a minha lebre de março sente saudade do jogo da cena 7, sente porque essa cena me dava impulso, me deixava em êxtase, quando eu saí, Arruda me disse que era por conta da cena das Rosas, mas eu não conseguia entender muito porque outras atrizes que também eram rosas estavam nessa cena e eu não... então isso meio que me quebrou, mas tive de entender. A Lebre foi o papel mais difícil de largar, isso porque senti que houve uma grande pesquisa de minha parte sobre o personagem, mas a vida segue e estou como lebre na cena 11, em que tenho de segurar o personagem com expressão e pequenas ações que o identifiquem, as palavras são quase como palavras espátulas e isso me deixa um pouco triste. QUINZE! EU NÃO DISSE NADA! NEGO! Essa é uma das cenas que mais exige de mim, exatamente por ter que segurar o personagem sem fala. Nela, eu me baseio muito no que é mencionado pelo chapeleiro, a sensação dele ao tomar o chá, eu busquei como fala interna para as reações, tendo como princípio que sempre tomamos chá juntos, eu provavelmente sei muito bem essa sensação de tremeluzir CHHhhha, às outras reações são ao Dormidongo, que se apoia em mim enquanto eu mesma tento me apoiar nele para continuar em pé, quando ele é muito mais pesado que meu corpo, acabo perdendo por vezes o equilíbrio. 


Dei seguimento ao pequenos tiques que aderi desde o início de minha pesquisa e o deixei um pouco estressado como fala interna ao momento em que chapeleiro tenta coloca- lo como parte da culpa, por conta da fala interna minha voz aparece com um timbre diferenciado, dou ênfase às pesquisas que iniciei por conta de minha participação no projeto de Brenda, tenho valorizado muito essas pesquisas de timbres e notas que também ajudam a identificar um personagem. Como por exemplo, o Pat de João Pedro, que se diferencia completamente com seu sotaque português. Meu timbre sai mais agudo e rasgado, o que é totalmente diferente de quando estou como corifeia, em que possuo um timbre mais grave e rasgado,diria que um Ré. 


Alices Negras Cenas 1 e 12- Invejosa, rancorosa, sensual, extravagante, deprimida foram umas das características estruturadas e ainda em construção para a personagem de alices Negras, nesse personagem também ainda não vi meu melhor, primeiro por conta do texto, que até pouco tempo não estava claro para decorar, o que não me deixa a vontade enquanto caminho, o papel me limita, me faz dar passos curtos, então quero estar com a fala preparada para o próximo ensaio, quero poder finalizar essa semana com o personagem intensificado, principalmente no início em que é o momento crucial para chamar a atenção plateia, senti falta de me soltar e extravasar,faltou fala interna, na verdade esse foi o único personagem que não tive o prazer até então de fazer uma boa pesquisa e encontrar uma boa fala interna para o início da cena. Talvez o figurino também desperte algo em específico. 


A My Lee do Evanescence me faz pensar muito no lado sombrio e deprimido.


Eva Green, Jessica Alba e algumas das atrizes da sequência de Sin City são insanas. Tentei pesquisar um pouco mais de sensualidade por saber que é um papel dificil pra mim, eu não sou sensual, nem insana, na verdade na maior parte das vezes me sinto inocentemente uma boba por ter 25 anos e não dizer palavras mais pesadas que garotas mais novas que eu falam com tanta facilidade. Pedi ao meu companheiro que fale mais palavrões em casa para eu me adaptar, por conta da  cozinheira e da alice negra, tenho literalmente feito mais pesquisas para tentar deixar meu corpo mais à vontade com o personagem até a estreia, cheguei a ver um ensaios sensuais para agregar a sensualidade em cena, também tenho feito exercícios físicos para me sentir mais à vontade na hora de usar os vestidos e principalmente no momento em que serei uma das rosas, pois se é para ser rosa branca, minhas coxas já estão prontas, eu não sei muito o que é sol, a não ser que realmente a ocasião exija, mas cheguei a conversar com as meninas para pegarmos um bronze até a data, meu corpo é meu grande rival, meu corpo e minha boca... mas enfim.. cada obstáculo é completamente relevante para que eu consiga ultrapassar algum limite, eu vejo isso como um processo doloroso que vale à pena no final. Poder contracenar com meus amigos o espetáculo Alice, é algo de que quero poder ter uma ótima memória. 

Mar de Lágrimas- Ser uma Alice doce é como andar numa corda bamba após sair de uma cena em que sou completamente seu oposto. Me vejo muito nessa Alice, por conta de suas perguntas, de suas brincadeiras, da maneira como ela fala, há algo inocente e até infantil mesmo no timbre de minha voz, mais aguda e suave, tão leve... sinto- me livre nesse personagem, como se estivesse brincando com meus primos num dia de domingo, lembro que costumava brincar de manja pega e esconde no quintal de casa, e quando capturávamos nosso primo que era maior do que quase todas nós, era uma festa, todo mundo em cima do Sidartha para poder segurar ele, era muito engraçado, sinto- me praticamente completa para essa cena, exceto pelo fato de que esqueço de ficar em diagonal no palco. O Mar de lágrimas me faz pensar no dia em que estava aprendendo a nadar, eu estava com tanto medo que comecei a me debater nos braços do papai e caí na piscina me afogando, fiz um tremendo escândalo, depois, percebi que que todos estavam olhando e que a piscina não era tão funda assim. Meus primos me chamavam para brincar e aos poucos fui perdendo mais o medo de entrar na "grande piscina" na casa do vovô. As palavras espátulas que geralmente utilizo também são mais infantis, como por exemplo, NOSSA! OH NÃO! E AGORA? 
Dialogar entre esses vários personagens tem sido um belo e louco desafio, que será compensado com grande experiência e aprendizagem. De acordo com  ideia de diminuir ou eliminar o lapso de tempo entre o impulso interior do ator e a sua reação exterior se assemelha ao pretendido por Meyerhold, mas o fundamento desse impulso e o ato de despojar- se diante da plateia, fazendo uma total doação de si mesmo. (SIMÕES, p. 56)

REFERÊNCIAS
SIMÕES, Daniel Furtado da Silva.OAtor e o Personagem: Variações e Limites no Teatro Contemporâneo. Belo Horizonte 2013.