sábado, 6 de agosto de 2016

ALICE AFETADA

MIRACLES

Durante meu recesso não tive muito tempo para respirar fora dos horizontes de Artes Cênicas. Isso porque tenho corrido incessantemente atrás dos meus sonhos. Soube das inscrições para concorrer a bolsa de IC ( Iniciação Científica) e fiquei como uma louca pensando em vários tópicos que poderiam ser abordados numa pesquisa, mas esqueci de algo, para prosseguir necessita- se de um orientador. O que me desiludiu completamente porque todos os professores disponíveis já estavam com seus orientandos. Era tarde demais,... sem projeto,.. sem oportunidade e pior que isso, ter que lidar com o fato de que teria de arranjar um emprego que limitaria totalmente meus passos frente minha área. Em tempos de crise, quem somos nós para reclamarmos dos empregos? Pois é, mas lá estava eu, reclamando como uma criança, pensando em situações como, isso irá me limitar em conseguir iniciar um grupo de teatro ou conseguir meu espaço para estudar ou participar de grupos de leituras, pior, como farei o estágio obrigatório no próximo período?... como um ser humano tolo, simplesmente me deixei chorar por um longo tempo. Essa realidade de desemprego é pior quando nos encontramos longe de nossos pais. Mesmo com meu marido ao meu lado tentando ser o mais compreensível possível, sabemos que a compreensão, o choro e o amor não pagarão o aluguel, a comida e a renovação do curso no próximo mês.
Posso dizer que costumo ser positiva diante dos enigmas que a vida nos propõe, mas tem vezes que realmente pensamos, nossa! Não dá para dar um tempo de tanto problema... Não! Na verdade respire pois logo logo poderá surgir mais alguma coisa! 
E, eis que surgiu a oportunidade, recebi uma mensagem que me deu um propósito, uma reanimação inimaginável. Minha professora informou a possibilidade de me orientar alegando que mais propostas poderiam ser aceitas nesses período. Assim, deu- se início à correria contra o tempo, temos novo prazo, tenho que mostrar a proposta mais clara, tenho que desenvolver a proposta, independente dos problemas que foram surgindo durante essa elaboração, nunca me senti tão feliz desenvolvendo algo. Para falar a verdade, toda oportunidade que tem surgido, tenho segurado como minha vida, na qual não quero abrir mão de modo algum. (risos)
Durante esse tempo longe da Universidade me comprometi com duas coisas importantíssimas: O projeto e a proposta de formação de um grupo de teatro. Isso porque tenho me apropriado dos teatrólogos que me inspiram. Eu costumo falar da Diretora Anne Bolgart (sua posição sobre a importância de criar um grupo de atores com o mesmo propósito), de Jan Fabre (sua CIA, onde pode desenvolver seus conceitos diferenciados e voltados para o hibridismo performático), de Pina Bausch ( trabalha a performance com o conceito de corpo imensidão, costuma acrescentar elementos da natureza e parecer seguir fielmente o propósito do ator atingindo seu limite através do cansaço, como em suas performances "Cafe Muller"),  e E. Barba como pessoas que quanto mais conheço sobre seus trabalhos, mais me vislumbro. Mas, esses dias tenho me dado a chance de conhecer novas pesquisas, graças ao meu projeto. O que nos limita num trabalho também pode ampliar nossa mente (pesquisas de vários teóricos e seus trabalhos na área). A profa. Dra. Rejane Arruda, que atualmente é minha orientadora, também tem me servido como grande inspiração. Numa reunião lembro de ter lhe perguntado sobre a duração de seu sono por dia porque por vezes eu estava acordada ainda passando pela madrugada, lhe perguntava sobre assuntos diversos relacionados às aulas e a mesma estava ali para responder e então de manhã cedo lá estava ela novamente nos direcionando pelo grupo, e, ela me respondeu- acordo 7h e durmo 1h da manhã. Tudo bem, isso seria tranquilo para alguém que não tem muitas obrigações, mas, se tratando dessa pessoa, isso foi como um exemplo de que tenho que acordar para a vida e tirar a preguiça e tudo o mais de irrelevante totalmente fora do meu caminho, porque essa pessoa simplesmente não para durante o dia, e por vezes, também não para mesmo pela madrugada, ela tem uma imensidade de obrigações na universidade e não somente isso, mas seus grupos de pesquisa e apresentações das peças teatrais e mais organização do curso por ser a coordenadora e mais as aulas e a orientação em cima de cada das pesquisas de cada orientando, resumindo, não é fácil de forma alguma, e para mim além de não ser fácil, é inspirador.


A INSPIRAÇÃO

Iniciei as pesquisas do projeto, cujo tema é direcionado para o resgate de origens como dispositivo de memória para a arte performática, o que me possibilitará desenvolver o conceito de "Teia e suas Ramificações" com um grupo de atores voluntários. O conceito básico sobre a teia é o fato de que cada grupo cultural está interligado gerando indivíduos híbridos, indivíduos com características próprias resultantes de um grande entrelaçamento histórico- cultural advindo de suas raízes. Se andarmos por essa teia, temos a oportunidade de conhecer suas ramificações, ou seja, seus vários subgrupos, diversificados e cheios de história que podem contribuir para a memória do ator. Se o ator lembra, essa busca pela origem se torna memória, gerando força energética no indivíduo limpo de todas as resistências que o limitam. Apesar de ter selecionado atores, por ter iniciando recentemente meu estágio, acabei por ganhar uma oportunidade única. Durante a conversa com a pedagoga sobre as atividades dos alunos, um assunto completamente relevante quase passara despercebido,- os alunos tem um horário para a prática de "capoeira", ao escutar isso meus olhos brilharam, e antes que ela abordasse qualquer outro assunto, pedi a oportunidade de chegar mais cedo e participar do grupo, lhe dei uma base sobre minha ideia referente ao diálogo entre culturas e recebi um sim como resposta. Espero ansiosa para rever a capoeira e quem sabe trazer diálogos interessantíssimos através dos encontros para o grupo no laboratório.

CARÊNCIA

Conheci o grupo de alunos com quem irei trabalhar durante esse período. E, a primeira coisa que me veio à mente enquanto toda a criançada chegava me rodeando foi: Que curioso! As crianças pareciam me avaliar da cabeça aos pés. Imediatamente quebrei os olhares estranhos frente ao desconhecido com um imenso sorriso, iniciando um diálogo de apresentação. E, como me responderam?- Você veio do Japão? Porque seu olho é pequeno... Você chegou aqui há quanto tempo?
Parece que independente do que tente, há sempre um assunto relacionado à isso. Mas, aproveitei as perguntas engraçadas para gerar um diálogo positivo com toda a turma. Mesmo não nascendo no Japão, sendo brasileira e com mínimos traços de meu bisavô, fiz do útil ao agradável. Respondi palavras em japonês e deixei dúvidas contínuas sobre cardápios oriundos de lá. Pensando nessa reação, imaginei algo que seria interessante para se tentar no grupo de pesquisa- como se dialoga o olhar frente ao desconhecido? Isso pode gerar poética!
Formamos uma grande roda e perguntei o que eles conheciam sobre o teatro, se já haviam ido alguma vez, e o que entendiam sobre atuar?


A princípio todos pareciam recuar, mas então tomei partida falando sobre sobre reações, chamei um dos alunos e pedi que ele exercesse uma ação sobre mim, o que o deixou com receio, então entreguei meu braço e olhei para o outro lado, ele o empurrou e todos riram, no mesmo instante em que senti o empurrão, olhei assustada. E depois ri com todos, procedendo na explicação do que o colega acabara de fazer e sua importância no teatro. Ainda em roda, fizemos duas brincadeiras para descontrair, a primeira foi a de improviso de história, muito utilizada por nossa turma no início do curso com ênfase em jogos teatrais, mas diferente do que costumávamos fazer, a história de cada um parava numa determinada palavra e não numa sílaba da palavra, todos riam incessantemente. A segunda foi de reprodução de sons- utilizada recentemente na aula de voz, pela Profa. Arruda. Mas, diferente do procedimento que utilizamos, com papéis e palavras representando os sons, os deixei mais livres. Foi muito interessante perceber como nós interpretamos tudo ao redor de maneira tão diferente das crianças. Sons de ratos, sons agudos, sons de gatos e de chuva, apresentados por várias delas de maneiras distintas e criativas.
Alguns alunos apresentaram comportamentos um poucos agressivos, mas não a ponto de me deixar com qualquer receio, e sim a ponto de me fazer pensar, como posso tirar esse medo frente ao novo? como posso lhe mostrar a calma diante do caos? Quando estamos na escola, nossos olhares mudam completamente,... percebi que a rua em que a escola se localiza demonstra aspectos da realidade delas, um ambiente mais pesado. A escola é toda gradeada. Cada canto, cada janela. E, as crianças recebem ensino integral, o que significa que sua primeira casa e sua primeira família, é a escola. Conversando com um dos integrantes da atividades e brincadeiras feitas com os grupos, foi me informado que o objetivo é fazer com que elas saiam da realidade difícil que lhes cerca, a maioria delas são muito carentes, e isso é perceptível naqueles que mais se recusam a sorrir, a se deixar abrir e brincar com todos,... Na segunda aula, brincamos de mímica. Foram formados dois grupos, chamados de família. As regras eram:
Ambas as famílias dialogam sobre o que irão escolher para fazer a mímica;

  • Família A
  • Família B
  • Tira par ou ímpar
  • A família que ganhar escolhe quem começa;
  • Cada família tem direito a duas respostas
  • A família que perder tem que pagar uma prenda escolhida pela família adversária.
No começo todos pareciam concordar, mas quando a primeira família trapaceou, começaram as brigas;
Observações:
  • Diferenças por tamanho: Uma família era composta por crianças de estatura menor, porém com um componente a mais;
  • Diferenças por idade: Palavras mais fortes, como palavrões, já são utilizadas pelos mais velhos, o que intimida os mais novos; Os mais novos aproveitaram mais a brincadeira, criavam movimentos criativos para as escolhas e não pareciam ter o menos interesse em brigar; Três alunos se destacaram em comportamentos diferenciados, o que me leva a repensar as abordagens e brincadeiras, comportamentos como recusa a se juntar aos grupos, raiva, desafeto pareceram muito presentes, principalmente em um deles;
Como ainda estou montando o planejamento por aguardar a aprovação do projeto, estou fazendo aulas iniciais com o objetivo de ter mais diálogo e afeto com os alunos. Mas, depois dessa brincadeira, resolvi mudar de ordem algumas aplicações da oficina.
Sugestões:
  • Elaboração de máscaras em E.V.A;
  • Jogos em paralelo que não sejam necessariamente competitivos;
  • Brincadeira com cantigas;
  • Apresentação numa manhã com o Grupo Meninice;
  • Poesias;
Obs: Quando trabalhamos com crianças ou adolescentes, precisamos reavaliar toda nossa concepção sobre o que é direcionado às mesmas. 
 O que é ser um Maestro?

CORPO EM VOZ

Como mencionarei mais adiante vários dos aspectos importantíssimos que temos abordado nas aulas de voz, me atentarei nesse momento às performances que tem surgido constantemente junto à voz. A escolha de Alice como encenação para esse período foi um dos momentos mais felizes de toda minha vida. Isso porque a vejo como um clássico de desenhos infantis e filmes e infelizmente nunca tive a oportunidade de ver uma adaptação encenada no teatro, até agora. Contudo, dessa vez não sei espectadora e sim um dos personagens atuando.Iniciamos a aula de voz a todo vapor, e, um dos pontos que mais me chamaram a atenção foi o fato de que agora estamos trabalhando mais a voz e o corpo em conjunto. O alongamento inicial nos auxilia na busca de posições confortáveis que influenciam tanto na qualidade de frequência de voz, como nas notas e melodias criadas a partir das mesmas, advindas das interpretações dos sons. Posições que auxiliam na passagem do som foram comentadas, como por exemplo no caso de Lucas, que foi muito feliz ao falar de sua experiência em deixar o peito aberto e o corpo ereto, o que melhorou a saída dos sons. Algo muito interessante também foi mencionado por Dulce, que mencionou a dinâmica entre os atores totalmente diferente do que ocorreu no período passado, os atores tem se dado a chance de participar de grupos diferentes, o que gerou novas concepções, afinidades e criatividades. Eu fui uma das pessoas que mudei de grupo, que foi formado por mim, Dulce, Caio Paranaguá, Lorena, Thaís Lemos, Ângelo e Matheus. 
Durante nossa pesquisa de sons, que se deu a partir de:
  • Voz de trouxa (Samires);
  • Comendo Bolo (Ângelo);
  • Som de TV (Dulce);
  • Narração (Thais Lemos);
  • Voz de flor (Matheus);
  • Comendo pipoca (Caio Paranaguá); 
  • Treva (Lorena);
Acabou surgindo a necessidade de dialogar com o corpo, como por exemplo, no caso de Lorena, em que saltamos nosso corpo com as mãos se fincando ao chão, denotando à Treva e o grito surgiu: Dark!
Eu achei todos os grupos lindos, mas especificamente, escolheria o meu, pela harmonia de um coro. Pude ver uma fazer uma analogia ao filme de alice, relacionada ao exército da Rainha de Copas, uma chegada mais agressiva, com um coro de "Naipes das Trevas".

ALICE AFETADA

Foi solicitado que cada um de nós fizéssemos uma apropriação de uma das cenas de Alice para a elaboração de uma partitura, já tendo em conta personagens com os quais nos identificamos. Mas, me deparei numa imensa incógnita que vem me assombrando até nos sonhos. Após toda a alegria de poder encenar essa história, apareceu a frustração. Isso porque eu realmente gosto de quase todos os personagens, particularmente adoro o chapeleiro e a Lebre de Março, mas Alice representa pra mim algo impossível, totalmente além de meu alcance. Agoniada e numa busca constante, resolvi ver algumas vezes a adaptação que mais me atraiu:



Foi então que algo me pareceu peculiar, mas resolvi não me ater, a primeira coisa que apareceu foi, porque tenho que ser a rainha de copas? Ela tem semelhanças comigo, olhei ao redor todos meus objetos preferidos na cor vermelha, meu copo vermelho, meu travesseiro vermelho e comecei a ficar triste,.. porque não posso ser o chapeleiro? Ou a lebre, eu queria realmente ser a lebre de março... e por que não ser uma alice? Então liguei para minha mãe, como sempre costumo fazer se minha cabeça começa a virar pelo avesso, às vezes pareço ter um turbilhão de coisas dentro dela, o que me impede de organiza- la,... Falei chateada,.. sobre tudo, e, ela disse: tenta então o chapeleiro. Lhe cortei imediatamente, o chapeleiro é alguém que gosto tanto tanto,.. e lhe vi sendo interpretado por um de meus primeiros amores de cinema... como posso fazê- lo? Ele é alguém incrivelmente demais pra mim. Ela pediu que eu parasse um tempo para pensar,.. mas esse pensamento perdurou a noite inteira, a ponto de me fazer acordar levantar de madrugada para ao menos descrever no papel tudo o que surgia constantemente. Eu precisava dormir para acordar cedo. Coloquei as palavras no papel, imaginando que assim minha mente ficaria mais vazia,.. mas ocorreu- me totalmente o contrário, aparecia cada vez mais... como pude deixar isso tomar conta de mim desse jeito?
Quando consegui dormir, o tempo não foi nada bondoso,... poderia ser algo parecido como no filme- e então eu roubaria apenas algumas horas para ter um sono mais decente...
O celular despertou sem piedade e lá fui eu estudar, mas sabia que tinha de decidir aquilo. Mandei mensagem para meu marido, meu querido marido que tem tido sua paciência dobrada. "Ele me conhece". E, perguntei o que ele achava, mas obtive respostas parecidas com a mamãe, ele disse que eu não pareço Alice, mas seria uma Rainha de Copas perfeita. Então eu apenas lhe devolvi a mensagem de que não me sinto bem em ser ela, por que ser uma Rainha de Copas? Ela é má! Eu sou sonhadora,... por que não ser Alice? Voltei a assistir o filme e depois simplesmente passando novamente por meu estado de tolice lastimável, comecei a chorar. Mas, também eu choro por tudo! Chorei com raiva pensando em meus olhos, talvez se meus olhos fossem um pouco maiores eu teria chance de me parecer com Alice, afinal de contas, ela é morena ou branca? Eu só vejo de uma forma! Porque não uma Alice Negra? Ou uma Alice de olhos pequenos!



De repente tudo parecia mais claro, talvez não houvesse escolha, talvez eu seja uma rainha de copas, eu não sei!
Choros com risos!
É isso, sou uma rainha de copas, mas antes fui uma Alice, como fui traída e me machuquei muito, a vida me ajudou a ser uma rainha de copas. Sou uma Alice afetada!
Coloquei a música da Pink, que tocava repetidas vezes. E me vi num processo de metamorfose, me obriguei a esse processo. O que é a Alice afetada, uma alice adulta, uma alice estilo garota interrompida? Uma alice aliciada (comentado pelo grupo com Allan e Caio na aula de Interpretação), que precisa se tornar uma Rainha para esquecer sua dor ou ter de conviver com ela da maneira mais cruel, sua cabeça fica cada vez mais cheia com tanto medo do que elas pessoas falam dela, de como ficam rindo de seu aspecto.
Comecei a pintar minhas unhas, elas precisam de adequar ao momento que surge, esse processo de transformação. Jan Fabre, minha inspiração, me mostra uma alice afetada a partir da performance de Mounte Olympus.
A mão de Juliana suja, que foi mostrada como exemplo, era uma imagem de Alice suja, ela poderia já ter aprontado muito, ou poderia ter caído muito para chegar ao seu limite e se transformar.




A Alice Louca, que está internada no Hospício, proposta de Matheus. A Alice Louca representa o resultado da metamorfose. Uma menina má que um dia sonhou em ter um coração bom.



Peguei minha camisa de manga comprida, ela me remetia fatos relacionados ao hospício e à metamorfose animalesca na performance de Fabre.


Mandei uma mensagem para minha mãe novamente. Mas, dessa vez pedi que ela resgatasse em mim uma memória muito importante, que me traria a força energética na qual meu corpo e mente precisavam. Eu era criança, uma criança sapeca como tantas, mas também era uma criança gordinha, no dia das mães, eu e minhas irmãs demos presentes para ela e uma lembrancinha com vários chocolates e bombons dentro. Meus primos apareceram no final de semana e fomos todos brincar. Como haviam vários bombons, resolvi pegar um e por saber que ela veria o plástico no saco de lixo, resolvi esconder na parte de trás de casa. Mas, quando chegou no domingo à noite, ela resolveu pegar seu chocolate e simplesmente não havia mais nada lá. Como de costume, ela juntou minhas irmãs comigo uma ao lado da outra, e tivemos de falar quem pegou os chocolates e bombons. Eu não queria apanhar, então respondi imediatamente que havia pego o bombom.E, minhas irmãs admitiram suas falhas, mas ela queria saber dos chocolates, e nenhuma de nós os comeu. Provavelmente tenha sido um de nossos primos. Independente disso ela não quis saber, achou que poderia ter sido eu,.. e como eu e minhas irmãs não confessamos, foi nos tirado o que mais gostávamos naquele período, - A Capoeira.
Semanas depois, minha irmã acabou com as caixas de cotonetes da mamãe. Hoje parece absurdo. Mas, bem, eram cotonetes que aparecem em baixo de meu travesseiro. E, novamente lá estávamos nós na mesma situação. Mas, dessa vez, a Nanda estava ao meu lado e eu sabia que ela tinha feito aquilo, mas a Nanda,, sendo uma criança esperta, colocou justamente embaixo de meu travesseiro. A mamãe queria que eu confessasse, mas eu não podia dizer que havia feito algo que não fiz. Então ela, farta de mentiras de crianças que não paravam de fazer estripulias, achou justo que eu levasse umas lapadas de cinturão para servir de exemplo de que não aceitaria mais que ficássemos mentindo sobre tudo. Foi a primeira vez que apanhei, foi a primeira vez que levei lapadas de cinturão, foi algo para carregar durante longos e longos tempos como o dia que apanhei injustamente. Depois de algum tempo, a Nanda resolveu de confessar e a mamãe implorou perdão. Obviamente eu a desculpei. Pois ela apenas fazia a ação necessária.
Essa memória pareceu muito justa e suficiente para fazer um desenvolvimento digno na partitura. Havia uma coincidência entre minha lembrança e a lembrança da Rainha de Copas, então me apropriei completamente desse momento, utilizando o método da substituição.
Fiz uma coroa de E.V.A. pequena e vermelha, com o símbolo de copas na frente, com o propósito de denotar que Alice era uma criança quando começou a passar por momentos de injustiça.
Escolhi uma tinta vermelha, que remete à carne, ao sangue e à rainha no momento em que se machuca. A fita vermelha que coloquei enfeitando minha camisa representava a mudança do azul de Alice para o vermelho. A regua representava uma palmatória: - A punição severa.
Levei uma necessaire vermelha juntamente com o batom, queria colocar como fala interna a discussão de Alice com a mãe e a irmã, era um recorte que ficava se desmembrando repetidas vezes em sua mente. Lembrei da técnica Meisner e passei um longo tempo em frente ao espelho, conversando comigo mesma. O objetivo era pegar minhas reações durante cada frase, recortar esse momento para utilizar como memória durante essa discussão, no desdobrar da partitura.
Eu teria em cena um conjunto de objetos e teria que utiliza- los. Apesar de ter uma ideia do que fazer, queria me propor em grande parte fazer algo como improviso. Por isso, depois pegar a palmatória, resolvi dialogar com Alice, Rainha de Copas e o público. Queria poder sentir um pouco do improviso que Fabre costuma colocar em suas " Instalações vivas". Obviamente que ainda não cheguei nem em vinte por cento do que poderia propor, mas penso que lidar com barreiras pode trazer poética, pois buscamos soluções repentinas diante do problema ou obstáculo. Gera estranhamento? Gera poética?
Já durante a apresentação, percebi que perdi um pouco do processo de metamorfose, talvez não tenha feito tempo suficiente o diálogo interno com questionamentos em frente ao espelho. Não sei se ainda chegaremos a utilizar ou não a técnica Meisner não apenas com as perguntas suscitando intenções, mas também utilizando com diálogos e movimentos em cena. E, também não tenho conhecimento suficiente sobre a mesma para dizer se fui fiel ao raciocínio de detectar as minhas próprias reações às emoções refletidas. Mas, tentei seguir o propósito até o fim.
De acordo com Arruda, o arranjo do ator é composto tanto por elementos fixos quanto móveis (fluidos), assim, a partir de seu uso, a reformulação imaginária se abre, fica solta. O material fixo é a frase (externa), que é traduzida como intenção ou objetivo, para provocar um outro, que é a ação interna.
Durante meu diálogo, por vezes tentei afirmar que eu Alice, mas conforme afirmava, me via em dúvidas, essas dúvidas pareciam transparecer através de minhas reações, então, houve um momento em que não me questionei sobre ser alice, mas debochei de mim mesma por ter sido uma alice. Acredito que nessa situação a fala interna torna- se essêncial, por gerar conflitos que aos poucos se externalizam.






Obs: Chegaram a mencionar alguns reflexos de uma partitura realizada por mim no início do curso. Além da coincidência, posso dizer que realmente pode ter surgido esse recorte como um esboço essencial a ser acrescentado. Talvez o momento mais próximo tenha sido o do batom. Mas, eu tinha de utilizar o batom como transição fundamental para a Alice Afetada.

O Belo

Pessoas me surpreenderam demais nessa aula, uma delas é Dulce: Apesar de seu gênio forte, sabe- se que quando ela entra em cena, há sempre algo novo a ser acrescentado. Há muito conhecimento adquirido através de experiências, pode- se colocar em ênfase esse fator, mas há algo muito mais interessante surgindo. Lembro-me de uma aula em que ela parecia estar com muita vergonha de seu corpo. E, dessa vez ela simplesmente nos apareceu com uma partitura envolta em erotismo. Fiquei espantada com tanta beleza em tão pouco tempo. Pois percebi nesse momento que ela estava se dando a chance de ultrapassar seus limites, vi em Dulce o Gato ou possivelmente a lagarta azul, que me me remeteu à imagem de Frida, na qual meu grupo colocou fundamentou sobre a sexualidade em pauta.
Isabela a cada dia mais bela, me pareceu uma verdadeira alice, partiu de desdobramentos no espaço para explicar a Alice aumentando e hora crescendo. O sorriso de isabela possui um ar bobo e misterioso ao mesmo tempo. Sua voz é engraçada e seu corpo tem uma característica que lembra algo infantil. Como uma boneca de massinha, perfeito! O recorto do susto ao comer o bolo lembrava cenas de desenhos feitos com bonecos de massinha, seria lindo uma alice assim.
Allan tem tamanho, mas seu jeito e voz são amáveis e por vezes até cínicos ( no bom sentido), nunca vi um Allan tão "Gato". O recorte da perna de Allan se movendo  delicadamente no espaço e seu sorriso surgindo aos poucos foi magnífico.

REFERÊNCIAS

ARRUDA, R. K. A Pergunta que Antecede a Fala: um  procedimento para o ator no cinema. SP, Revista Científica, Porto Algre, 2011.
FREITAS, Wallace José de Oliveira/ CIOTTI, Naira. O Teatro Transdisciplinar de Jan Fabre. O Percevejo Online- UFRN, 2015.


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