domingo, 21 de agosto de 2016

Reconstruindo abordagens

Interpretação I

Proposta para encenação: Alice no País das Maravilhas

Tendo em conta essa proposta, iniciamos várias pesquisas, não apenas teóricas como também práticas a fim de compor essa construção de cenas. Alice no País das Maravilhas possui várias adaptações e inclusive interpretações direcionadas para diversos fins. Entre as várias interpretações, conhecemos a de que Alice na verdade era uma paciente num sanatório. E, que por sofrer de esquizofrenia, acabou por ser internada, criando assim um mundo à parte para fugir de todo o sofrimento que passara nas mãos dos médicos e enfermeiros. Mas, a história é retratada por Charles Lutwidge Dodgson, com pseudônimo de Lewis Carrol, que cria uma história nonsense e atemporal, pois mesmo contendo vários trocadilhos próprios do período no qual se baseia, consegue manter um diálogo criativo recheado de abordagens para discussões infantojuvenil. O fato é que essa obra possui uma sequência de fatores que mesmo sendo criados numa visão de estranhamento frente ao que conhecemos como impossível ou sem sentido, acaba recebendo explicações inteiramente racionais. De acordo com (....) o leitor modelo de Todorov é aquele que compreende a existência do mistério (sobrenatural) que não pode ser explicado pelas leis que regem o seu mundo real, nesta situação ele terá que optar ou por acreditar nesse acontecimento que não lhe é familiar (maravilhoso), ou convencer- se de que tudo não passou de ilusão (estranho). O que enfatiza que o fantástico advém desta indecisão. Essa análise me remete ao teatro do absurdo, em que é feita a observação de que o absurdo na verdade pode ter mais sentido do que imaginamos. Claro que há um certo paradoxo, como por exemplo, COUTO, à respeito do teatro do absurdo enfatiza que, em relação ao período em que surge o teatro do absurdo, no pós- segunda guerra mundial, Martin Esslin surge com essa nomeação de absurdo, em que há a instauração da linguagem que fala a língua da realidade dos homens numa nova estrutura dramática. Apesar do paradoxo encontrado entre Alice e o tetro do absurdo, ao colocar o estranho e sem sentido como hipótese de aceitação; e, a realidade crua do homem no pós- guerra, há a relação entre a aceitação do sem sentido em ambas as partes e decodificação desses “nonsense”.
Pode- se observar por exemplo, na análise de Couto em relação à duas peças do teatro do absurdo: As Cadeiras e Fim de Jogo, a essência do que os autores Becket e Ionesno queriam tratar, a solidão humana, o vazio. E, ao que concerne Alice, há a solidão humana, mas o vazio é abandonado pela hipótese de um mundo utópico.

O Rinoceronte por Ionesco: Além do retrato da obra, fixei- me também no cenário com galhos, que pode servir como base para as buscas do ambiente da floresta.

Verifica- se também, numa contextualização sobre a prática com ênfase nas pesquisas do livro, a imensa compatibilidade desse mundo abordado a partir da biomecânica de Meyerhold, dos atores super marionetes, bonecos vivos. O estranhamento é tratado o tempo inteiro e pode ser comparado tanto ao teatro de super marionetes como também com o teatro performativo, como exemplo disso, coloquei em textos anteriores a relação com o teatro performativo e híbrido de Jan Fabre, uma análise crítica sugerido pelo grupo em que participei sobre uma Alice aliciada, Alice afetada, o que explica por si só o fato de que Carrol contribui com um texto atemporal.

biomecânica gerando efeito extra- cotidiano

Exacerbação dos movimentos

O excesso causa um efeito boneco vivo

O corpo dilata, percebe- se muitos desdobramentos

Durante o processo de desconstrução e reconstrução diante da criação, partimos da proposta de Arruda, que enfatiza sua pesquisa sobre a repetição da escrita do texto como processo de memorização, sobre o mesmo, François Khan também o descreve como um procedimento para a assimilação do sentido das palavras. Assim, segue- se a sequência de  apropriação do texto dando seguimento à composição da fala. Arruda enfatiza que nessa sequencia há essa apropriação do texto, que é repetida vezes seguidas até que se torne algo automático. Durante essa repetição formam- se fissuras em que o corpo encaixa e a fala interna surge depois com uma extrema potência. Assim, a fala interna vem antes da fala externa. Segundo Khan, o todo o tempo que você passa inicialmente só para memorizar o texto com um sentido, é fundamental, pois todo esse momento acumulam- se várias coisas que estão lá, mas que estão agora imprecisas e pedem para revelar- se. É bom manter por um certo tempo, pois depois a ação tende a sair com mais energia. Arruda diz que esse processo permite a manipulação do texto. O que me remeteu uma de suas aulas, referentes à partitura corporal e a repetição, também apresentada como um procedimento primordial na biomecânica, nessa aula desenvolvemos uma partitura corporal e a seqüenciamos em números, repetindo- a inúmeras vezes, o suficiente para que o corpo lembre automaticamente e assim possa posteriormente manipular entre a minimização dos movimentos ou mesmo a dilatação, levando ao extra cotidiano.


Curiosamente esse procedimento me fez, tanto no texto como na partitura corporal, fez- me abordar a interpretação de uma nova forma. Vejo como um imenso desenvolvimento desde o início do curso. O fato de que há uma fala interna e um acúmulo de sentidos que estão prestes a sair nos faz pensar a própria encenação de um modo distinto. Não é como simplesmente decorar ou escutar minha própria fala inúmeras vezes, mas sim como um impulso, algo que lembra um pouco as palavras de Barba e Savarase ao falar sobre a arte do ator, sobre a explosão, sobre a ponte formar o limiar entre o exagero do cotidiano ou a minimização do mesmo. Creio que essa proposta torna nosso trabalho como uma verdadeira missão, por utilizar- se da paciência, da reflexão, da memória e do contínuo treino. Lembro- me de que meu antigo orientador de metodologia do ensino prof. Dr. Amarildo Meneses (período em que cursava física) costumava pedir que independente de qualquer coisa, eu deveria escrever. O mesmo informava que a escrita tinha a capacidade de nos fazer trabalhar em conjunto com a leitura, mas a escrita nos levava ao treino. E, agora, numa área totalmente diferente, tenho a oportunidade de lembrar e aplicar novamente essa observação. Comentei com Arruda a incrível capacidade que a escrita gera enquanto estamos praticando a repetição como assimilação: inúmeros sentidos e recortes de cenas nos invadem, ficam pulsando em nossa mente. Segundo Arruda, há uma pré- organização da cena, que vai se criando através desse processo do cruzamento entre a fala interna e a fala externa- um pré- jogo. O pré- jogo é outro texto que o ator cria, que contém o texto do ator encaixado. Ele resulta de associações particulares, que surgem enquanto o ator escreve, ou ainda por encontro: quando olha outros materiais e subitamente associa o texto dado. (p. 91- 92, 2013) O que foi meu caso enquanto praticava a escrita. Revendo a aplicação de jogo na cena “O chá maluco”, apresentado pelo meu grupo, percebi por exemplo que houve momentos em que conseguimos colocar essa prática, ainda que um pouco crua, devido ao conhecimento prévio desse tipo de abordagem, mas ainda assim há indícios como o momento em que surge o diálogo:
Alice: Desculpe, eu não sabia. Ninguém me falou que a mesa tinha dono.
Lebre: Por acaso você se sentou na mesa sem ser convidada.


Pouco tempo atrás eu ainda lidava com meu imenso déficit de atenção, levando- me a buscar dispositivos que me auxiliassem no aumento de concentração. Cheguei à algumas conclusões “pessoais”: Músicas que conheço me tiram completamente o foco do que devo fazer, assim passei a escolher estilos completamente diferenciados como por exemplo músicas alemães ou italianas; nem todos os textos que lemos são convidativos, principalmente quando estamos acostumados com um tipo de leitura, o que nos leva a sair de nossas zonas de conforto. Porém, não há como escapar disso, a leitura é voz alta em paralelo com a leitura mental deixam o texto mais visível aos meus pensamentos. E, concentração, acredito que seja algo primordial, na pesquisa de Aleixo, ao falar sobre o “texto e memória: encontro com François Khan”, há um momento em que a reflexão é enfatizada. A reflexão é produto de concentração. A concentração me faz atingir muitos objetivos que busco constantemente, como por exemplo, a minha visão de rainha de copas, cujo vídeo apresentei anteriormente, no discurso com ênfase em corpo. Lembro- me de ter chegado ao êxtase partindo do princípio de transformação, tendo em conta as obras de Jan Fabre.
De acordo com Khan, a questão não é a escrita- o que talvez pudesse ser explorado por outra abordagem, mas exercitar uma nova maneira de visualizar, incorporar, de assimilar os sentidos das palavras, e, assim possibilitar o acontecimento do texto no ato de falar. Na prática, é como se parássemos o tempo para dedicar total atenção, foco, de escuta, sentidos para o simples ato de escrever e pensar o texto. (p. 87, 2014)
Esse esclarecimento remeteu- me à outra abordagem, frente a anàlise de Souza, sobre a paisagem sonora, no aspecto em que há a reflexão do corpo, ele torna- se uma entrada de absorção de todos os sentidos. Murray Schaefer nos convida a prestar atenção nos sons do ambiente e do espaço, um exercício contínuo de captação e registro das sensações provocadas pelos sons. Porém com algumas diferenças. Souza e Schaefer mencionam o momento de parar e refletir, enquanto que na memória através da escrita por repetição, o corpo continua sensível às provocações, ele torna- se uma máquina que absorve vários sentidos, vários recortes ao mesmo tempo em que se concentra na escrita. Há um corpo vivo e pronto a explodir.

Att.: Sami Cassiano


REFERÊNCIAS


ALEIXO, Fernando Manoel. Texto, Memória e Fala: Um Encontro com François Khan. Urdimento, vol. 2, 2014.
ANDRADE, Jéssica Tarcísia Benício de. Alice no País das Maravilhas: Entre o Fantástico, o Estranho e o Maravilhoso. Guarabira- PB, 2014.
ARRUDA, Rejane Kasting. A Incorporação do Pré- Jogo: Tentativas de Formalização de um Procedimento Estranho. Pitágoras, USP, Vol. 5, 2013.
BARBA, Eugenio/ SAVARASE, Nicolas. A Arte Secreta do Ator. Ed. Hucttec- UNICAMP, 1995.
COUTO, Lara. O Teatro do Absurdo: Parte I. 2015
SOUZA, Cristiane dos Santos. Reflexões Sobre o Hibridismo Vocal em Performance. Urdimento, vol. 1, 2014.




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