domingo, 4 de setembro de 2016

Um Corpo Afetado

Cena 3

Seguindo o ultimo discurso, lembro- me de ter colocado em ênfase- "Fomos Afetados", certamente que sim. Parto de alguns conceitos e pressupostos de Spinoza, Anne Bolgart, Augusto Peixoto, Arruda, tendo em conta um recorte do último encontro de Corpo. Segue: Durante a construção da direção referente à Alice, partimos de procedimentos diferenciados que se cruzam num determinado caminho, nos levando à reflexão e construção de novas abordagens cênicas para a peça teatral. Dentre os quais estão o View Points (Anne Bolgart), Memorização a partir da repetição da Escrita (François Khan, defendido por Arruda) e Monólogo Interno (knébel); Partimos do princípio da repetição como fonte geradora de potência. De acordo com Khan, podemos receber as ressonâncias do texto em nós mesmos e entender o texto sem pronunciá- lo, o mesmo considera que a urgência com o trabalho na fase de memorização pode promover a fixação da forma e, consequentemente, a perda da liberdade, fazendo- se necessário  a importância de escutar as palavras. O que gera um meio termo, ao mesmo tempo em que surgem assimilações, o ator as capta, mas sem se deixar também muito tempo nelas para que também não tenha algo muito pré- determinado. Essa sequência de sinais, que lembram até as raízes dos neurônios quando são interligadas, gerando inúmeras informações, se expandem a ponto de ficar latente no ator, como consequência da repetição escrita e um trabalho de dentro para fora, podemos ter um ser que emana energia de ações e memórias. E, que tendo o texto concentrado em si após a repetição, pode utilizar de vários desses elementos. Há assim a repetição e há o monólogo interno, advindo de estudos iniciados por Stanislavysk, que refere- se ao que pulsa internamente, parece- me como algo que vem do coração, um discurso de pensamentos que partem do diálogo do ator consigo mesmo, externalizando posteriormente em palavras e ações. Knebel parte de uma análise de uma obra de Gork: A Mãe, para falar à respeito do mesmo. No texto, segue uma sequência de discussões internas do personagem antes que se realize uma determinada ação. Segundo Knébel, para que os pensamentos impronunciáveis possam aparecer, há a necessidade que o ator se introduza inteiramente no mundo do personagem, é preciso que o ator em cena "saiba pensar como pensa o personagem".
O que se necessita é penetrar muito profundamente no curso dos pensamentos do personagem criado, se necessita que estes pensamentos se mantenham perto e queridos pelo intérprete, e com o tempo, eles surgirão por si mesmos durante a atividade. (p.03)
Partindo desse pensamento, alguns alunos fizeram a repetição, tendo em conta a fala do personagem para a cena, alguns partiram de monólogo interno como pulsão para a cena. Outros alternaram entre a repetição a partir do roteiro, alternando com o monólogo. Foram entregues também, em papel ofício, desenhos geométricos, partindo do procedimento de view points de Bolgart, esses desenhos foram utilizados para que houvesse uma manipulação entre a forma e a pulsão interna no ator, os mesmos foram divididos entre vários alunos que iniciaram o campo de visão. Aos demais, sem fala durante a cena, cabia a interação tendo como base cada dispositivo. Sendo o Louro em cena, parti da repetição em alternância com o monólogo interno, porém, sinto- me ainda muito distante de meu propósito, talvez por não ter conseguido entrar muito no personagem. É uma possível explicação. 

Sobre a Repetição:
É preciso dominar estes automatismos e adquirir um tipo de liberdade que passa pela divisão de atenção. (p.150) Khan sugere que o ator alterne entre a memória já com o texto fincado e exercícios físicos ou quaisquer atividades que exijam precisão. Ainda com um pouco de problema relacionado à atenção, tenho tido um pouco de dificuldade durante a escrita, mas de certo, com relação ao que já ficou em memória, não tenho alternado com exercícios pontuais. Mas, como costumo pular corda, isso tem me auxiliado na busca das palavras. Tem sido mais difícil do que eu esperava. Além do mais agora há a alternância não apenas nos procedimentos de memorização através da repetição da escrita como também da repetição de partitura corporal. O que me fez treinar mais em casa. Acredito que o movimento de repetição tem potência, não apenas por ter estudado anteriormente a partir da dança métodos parecidos, mas por ter percebido que trabalha a memória corporal e mental. Conversando com meus amigos durante esse período, tenho percebido essa luta em ultrapassar tais barreiras, é algo muito pessoal em cada ator, o que me remeteu ao afeto. Especificadamente, em um dos Axiomas, Spinoza menciona:
Modos de pensamentos como o amor, desejo, ou tudo o mais que seja designado como afeto da alma, não podem existir em um individuo sem a ideia da coisa amada, desejada, etc. Mas esta ideia pode existir sem nenhum outro modo de pensamento. (p.18)
Ora, se pensarmos bem sobre esse ponto, algo a mais surge quando exercemos ou trabalhamos em algum assunto tendo em conta a ideia de coisa amada. Mas, ao mesmo modo que surge a coisa amada, o desejo, também pode surgir a falta dos mesmos, haja vista que o autor menciona a existencia da ideia sem a necessidade de outra coisa, assim existe algo que a contrapõe, o que é essa falta de desejo? Seria algo parecido com frustração ou medo? Como se pressupõe que o desejo independe do afeto, não estamos falando de algo que se acaba, mas de algo possa ser diminuído tendendo ao infinito, como uma linha exponencial, ela tende ao infinito sem necessitar chegar ao seu estado zero. Quando penso nesse desejo, penso como um princípio básico que cada ator carrega consigo frente aos obstáculos de reconhecimento com o personagem. Mas, também vejo essa escassez do desejo como algo que, de um modo diferente, o afeta, o influencia. O ator fica sujeito ha uma infinidades de afetações, cada uma em escalas diferentes gera poéticas diferentes, a ausencia do exagero não significa que o desejo não existe, mas significa que ele está sendo transmitido numa escala diferente. Durante o período em que estudei física, iniciei um projeto em que, num determinado momento, precisei aplicar calculos voltados para as oscilações que haviam em vários habitats, essas oscilações formavam um ciclo que por vezes se expandia formando vários esboços, como uma tensão num fio sobrecarregado, as oscilações me parecem muito com o ator afetado e o ciclo pulsante me remete brevemente ao corpo do mesmo, o ator afetado parte de uma pesquisa infinita dele em relação consigo, posso explicar essa ideia através de um grande ator já falecido, Heath Ledger,


Reconhecido, atrevo- me a dizer "eternamente", por todo seu trabalho frente a atuação de Coringa. Falar sobre alguém como Ledger, ao meu ver nunca é demais, isso porque acompanhei seus trabalhos desde criança e sempre lhe apoiei como fã. Pensando no mesmo num ângulo totalmente diferente, atualmente, percebo a entrega do ator em relação ao personagem. O mesmo ficou um longo tempo hospedado sozinho num hotel, trabalhando esse difícil diálogo com alguém considerado um personagem de peso- Coringa, além disso, pesquisou manias minimalistas que deram ao mesmo uma identidade muito singular, tais como os olhos com lapsos, mãos mais contorcidas, mania de lamber os lábios,... Além de ter feito uma pesquisa em cima do personagem, conversou com Jack Nicholson (um dos atores a interpretar Coringa) para que durante esse processo, não acabasse gerando comparações entre atuações, sendo aconselhado em vários aspectos. Apesar de muitos comentários sobre a morte de Ledger ser relacionado ao papel, não creio que tenha sido totalmente por isso, apenas sei que Nicholson pediu que Ledger tivesse um pouco de cuidado diante do personagem, por ter uma carga de energia intensa e que o deixaria muito cansado, penso que o excesso de remédios gerou esse acidente, e, que pode ter tido influencia do personagem. Sem descartar os detalhes, penso no corpo como uma forma de expressão, há a fala, evidentemente; mas, também há o corpo. Sem esquecer da diferença do corpo dilatado no extra- cotidiano tendo em conta muitas performances no Teatro e sua diferença a partir da minimização no cinema, o corpo expressa, o corpo fala, o corpo assim como a mente, é afetado, a mente passa uma informação para o corpo, mas o corpo também independe da mente. Isso porque o corpo é marcado por memórias gravadas, ou por lapsos da mesma. Heath, em seu personagem, trabalhou a tal ponto em cima desse biotipo e suas individualidades, que chegou um momento em que seus tiques nervosos apareciam por si só, reagiam independentes de duas falas. Falar sobre a mente e a conexão com o corpo envolve muitas variáveis. Mas, finalizo por enquanto esse discurso com essas perguntas, há, na psicologia, questões relacionadas à conexão corpo- mente, aonde há situações em que minha mente domina os sentidos do corpo; enquanto na neurociência, nosso corpo é formado por vários nervos que estão em contato com neurônios, as raízes dos neurônios passam as informações entre o cérebro e as funções corporais, se não me engano essa ligação existe exatamente no cortex, mas me limito a afirmar a priori, a questão é, temos assim uma conexão mente e corpo, há estudos na neurociencia e fisiologia voltados para pessoas que perdem membros de seus corpos, mas que continuam a sentir dor no membro inexistente, a chamada dor- fantasma. Se o corpo fala por si só, descartamos a mente, mas também descartamos esses impulsos elétricos gerados pelos neurotransmissores, que são comprovados cientificamente, sendo assim é realmente adequado falar do corpo e mente separados?
Quando iniciamos o campo de visão, segui o grupo de PH, e mesmo tendo visto algo em desacordo com o que foi pedido, o segui. Admiro muito o trabalho de PH, mas tenho percebido nele reflexos de ações "clow", digo reflexos por se tratar de algo que parece ser sem querer, algo que provavelmente ela deva estar fazendo constantemente, e sei que não deveria me preocupar tanto, mas isso me chamou a atenção por ser incomum diante dos procedimentos abordados em sala. Lembrei- me que anteriormente entrei em contato com Arruda fazendo perguntas relacionadas ao "animal" Louro (um dos personagens em que estou trabalhando), sendo assim direcionada a fugir do personagem animal e trazer mais para o lado humanizado, cabendo apenas aos acessórios ou vestimentas a comparação, analisando a situação, vi num determinado momento o animal e algo parecido com Arlequim da Commédia Dell'Art, faço esse recorte como um ponto a ser colocado diante da questão que deixei em ênfase acima. O Corpo pode agir por conta própria? O Corpo afetado por uma sequência de estruturação e lapidação diante de outro personagem torna- se um corpo afetado, logo, poderia o mesmo fazer tais movimentos inconscientemente? 
Me veio à memória um momento em aula, em que Arruda mencionou sobre o processo de desvencilhamento do Ator e Diretor diante trabalhos finalizados. Observo que por ser um processo que dura de meses a anos, por tornar-se muito compacto, realmente fincado, estruturado, acabada tornando- se difícil o desvínculo. 
Durante minhas buscas, atrevi- me a pensar numa voz um pouco estridente, sem me ater apenas ao anima, haja vista que não é essa a intenção, busquei personalidades distintas, que chamam atenção com suas roupas, vestimentas, acessórios:

Elza Soares


Dercy Gonçalves:


Carmen Miranda:


Esse personagem tem pouca fala, mas é tão interessante... Apesar que esse nesse discurso, a enfase seja em corpo, achei o vídeo de Carmen interessantíssimo, devido à brincadeira com "P".
Partindo do princípio de que as roupas e acessórios é que trarão a característica das aves, encontrei alguns adereços sugestivos:







KNEBEL Monologo Interior In El Ultimo Stanislavsky Traduc_a_o Arruda

ALEIXO, Fernando Manoel. Texto, Memória e Fala:Um Encontro com François Khan. Urdimento, Vol.2, 2014;
PEIXOTO, Carlos Augusto Junior. O Corpo e o Devir- Monstro. Lugar Comum, 2009;
 SPINOZA, Benedictus. Ética Demonstrada em Ordem Geométrica e dividida em cinco partes. 

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