domingo, 7 de maio de 2017

Roteiro I fragmento

I Fragmento
Que trem é esse? Esse som.. um som tão agradável, agradável agradável som de trem, som de nada, som de tudo, estamos todos juntos, olha mãe, meus olhos meu olhar, a beleza desse lugar, mas e o presente, que presente será que irei ganhar, papai Noel vai chegar e vai me presentear, o papai é o papai, é o papai Noel deve ser ou será... mas e o presente... o presente deverá chegar.
Ela chegou com um pedaço de mortadela quentinha, eu e minhas irmãs estamos arrumando a mesa, ele espreme a laranja, sinto, sinto o cheiro da laranja, agora sinto o cheiro, sinto o cheio de tudo e tudo se mistura, ela está trazendo o pão quentinho. Que mortadela deliciosa, que mortadela maravilhosa. Cheiro de Comida, cheiro de mãe fazendo comida e o pai carrega no colo, o pai cansado com sorriso no rosto, ninguém parava de falar, criança corre pra lá e pra cá, o pai é magestoso, como pode estar com um sorriso no rosto... a vovó com seu cheirinho de idosa, cheiro de sabonete de idoso é tão gostoso, cheiro avó é o melhor.
Essa boca, cabelo castanho, castanho- claro, castanho- escuro, ruivo, preto, azul, preto, azul.. por que ela implicou tanto comigo, Jessica, Amanda Maria, Martha Maria, Isabela, Margarida, Ana, Rebeca, Nicole, Maria Maria a mãe do filho de Deus, Maria minha mãe, mas aquela Maria,..  eu estava no banco, sento não agüento levanto o que é aquilo? Ah,.. lá está ela. Pare de me ignorar! Os meninos afinavam o violão, músicas em todo lado, a bateria, o violão, a guitarra. Isso é uma carta, um beijo, tem presente melhor do que um beijo, eu quero um beijo vem me dá um beijo eu eu eu quero um beijo. Olha pra mim!!! É eu só quero um, eu só queria abraçar e melhorar... Eu só queria melhorar, eu só queria falar, viajar, o que eu estava falando? Há o que é isso? É é uma carta pra mim... Uma carta para mim. Ela deixou uma carta pra mim, eu olho a carta, o papel corta meu dedo, seu cheiro, sua cor. Eu tanto espero e agora ela fala que gosta de mim, eu poderia tê- la beijado, um beijo gostoso, um beijo amado, mas criança não sabe nada disso,  nem sei mais de nada, eu beijei ou deixei de beijar, tanto faz ela agora está... Essa carta é para mim”?
Eu gosto tanto de você... eu gosto, gosto tanto tanto de você, SHhhhhhhhh..
Eu juro, eu juro que ele piorou quando foi para o andar de cima. Espera! É você,... não, pai, avô. Pai também é avô, eu não compreendi todo aquele alvoroço, a mãe corre para um lado a avó corre para o outro e a titia, tudo bem, ta tudo bem, (ânsia) não, (raiva e dor) não ta tudo bem coisa nenhuma. Ele ta perdendo peso, ele ta ficando mal, senta, levanta, o corpo clama, estala, (tenta segurar a dor para si mesmo para que os outros não escutem) Shhhhh....
(três propostas para morte numa pesquisa pessoal que por vezes se choca, ora pesquisa pessoal, ora couro. As pessoas que ali estão se levantam, ficam olhando eretas)
(dor que penetra o corpo e te faz cair no chão) Ahhhh (grande pausa. Uma sensação lhe corrompe, a perda, como uma criança que deixa quebrar um brinquedo precioso e tenta pega-lo com todo cuidado, juntando cada peça) não, não, não, não. (Pessoas espalhas pelo palco seguem em sua direção, cada um com uma partitura corporal diferente, sugere a ação- A culpa não foi minha! (As pessoas que se encontram eretas no lado oposto, começam a caminhar em sua direção, lhe fecham, como uma sombra que invade toda a luz que outrora iluminava seu quarto e falam em voz mais elevada e grave, como soldados que cantam um grito de guerra enquanto marcham)- A culpa foi toda sua! A culpa foi toda sua!! ( As sombras caem ao chão
Tem mata, tem madeira, azulejo, tem tijoulo, sensação que não quero esquecer, mas porque ... não não não... Casa antiga, bem antiga, gente nova bem vivida, gente feliz, toda essa gente feliz, Um cheiro um cigarro, ela me aparece como num estalo, mãe, mãe nada, avó, vó melinda, mãe mais que avó, o cigarro, o fumo, cheiro de fumo, que saudade disso tudo, é muita saudade, saudade de mãe, saudade de vó, saudade que se esvazia, vida e morte, a morte me impediu a despedida.




MÚSICAS PROJETO

1.    LETRAS DE MÚSICAS DURANTE PESQUISA DO PROJETO HIBRIDIZAÇÃO

      Zé Ramalho (Avôhai)
Um velho cruza a soleira
De botas longas de barbas longas de ouro o brilho do seu colar

Na laje fria onde quarava sua camisa e seu alforje de caçador
Oh meu velho e invisível Avôhai
Oh meu velho e indivisível Avôhai
Neblina turva e brilhante em meu cérebro coágulos de sol
Amanita matutina que transparente cortina ao meu redor
Se eu disser que é mei sabido você diz que é bem pior
Mas é pior do que planeta quando perde o girassol
É o têrço de brilhante nos dedos de minha avó
E nunca mais eu tive medo da porteira
Nem também da companheira que nunca dormia só
Avôhai
Avô e o pai
Avôhai

O brejo cruza a poeira
De fato existe um tom mais leve na palidez desse pessoal
Pares de olhos tão profundos que amargam as pessoas que fitar
Mas que bebem sua vida sua alma na altura que mandar
São os olhos são as asas/cabelos de Avôhai
Na pedra de turmalina e no terreiro da usina eu me criei
Voava de madrugada e na cratera condenada eu me calei
Se eu calei foi de tristeza você cala por calar
E calado vai ficando só fala quando eu mandar
Rebuscando a consciência com medo de viajar
Até o meio da cabeça do cometa
Girando na carrapeta no jogo de improvisar
Entrecortando eu sigo dentro a linha reta
Eu tenho a palavra certa pra doutor não reclamar
Avôhai, avôhai, avôhai, avôhai
2.     Perfeição (Legião Urbana)
Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações

O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso Estado, que não é nação
Celebrar a juventude sem escola
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade.

Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras e sequestros
Nosso castelo de cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda hipocrisia e toda afetação
Todo roubo e toda a indiferença
Vamos celebrar epidemias:
É a festa da torcida campeã.

Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar um coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo o que é gratuito e feio
Tudo que é normal
Vamos cantar juntos o Hino Nacional
(A lágrima é verdadeira)
Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão.

Vamos festejar a inveja
A intolerância e a incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isso - com festa, velório e caixão
Está tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou esta canção.

Venha, meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão.

Venha, o amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera -
Nosso futuro recomeça:
Venha, que o que vem é perfeição


ARTIGO DE CORPO III


Análise dos procedimentos para Composição e Interpretação do corpo para o Personagem com Base nas aulas de Corpo III

RESUMO
Olhares se encontram, alguns penetrantes e tomados por sua energia e outros enérgicos e dissociados. Há um possível choque entre as pessoas que ali se encontram e a entrega delas frente ao novo. Ter de entregar- se por completo, num determinado ponto pode ser uma limitação comum. Parto das aulas práticas e teóricas desenvolvidas por Couto, fazendo uma análise sobre como tenho experenciado o novo, além de salientar sobre a relação do corpo diante do incômodo como algo que a princípio limita o ator. Mas, que diante da entrega pode encontrar inúmeros desdobramentos para a interpretação e composição do corpo para a criação do personagem.

Análise dos procedimentos para Composição e Interpretação do corpo para o Personagem com Base nas aulas de Corpo III
Ultimamente, a palavra “incômodo” têm- se feito muito presente em nossa turma. Isso porque chegamos num momento do curso em que novas visões são testadas, novos procedimentos que não estão ali para excluir ou minimizar outros, pelo contrário, estão ali para somar, também se fazem necessários.

"As artes" - escreveu Decroux - "se parecem em seus princípios, não em suas obras". Poderíamos acrescentar que também os atores não se assemelham em suas técnicas, mas em seus princípios. (BARBA, p. 29, 1994)

Sob direção de Couto, estamos tendo a oportunidade de exercer o treinamento corporal, bem como a interpretação a partir de novas técnicas, novas em relação ao nosso conhecimento enquanto alunos. Como por exemplo o Points of contact, o Gesto Psicológico (GP), a Imaginação e Incorporação de Imagens entre outros. Ainda assim, por vezes, algumas das técnicas se relacionam com as estudadas anteriormente. Enfatizo isso por pensar no trabalho do ator, tendo em conta a Política do “E” como menciona Arruda:

Cada pedagogo parece fazer valer sua práxis ao explicitar uma diferença para com todos os outros. Os diferentes discursos teóricos são reafirmados ao fazerem jus a certas estéticas que (enquanto efeito destes discursos) são diferentes de todas as outras. Assim, o pedagogo (que é também diretor) faz valer seu estilo. (p. 1- 2, 2015)

A abordagem de novos procedimentos e técnicas se faz necessários, pois um profissional não apenas se faz valer de uma nova técnica, e sim de um processo contínuo de aprendizado, sendo capaz de desenvolver, no decorrer do tempo, suas próprias técnicas. É necessário se deixar fazer parte de algo maior, aprender a aprender, sem fixar a mente numa única técnica, o ator se desconstrói e abre seu olhar, a mente é levada para o caos e aos poucos esse caos começa a fazer sentido, porque de certo modo, mesmo o caos é capaz de conter uma organização, cabe ao meu olhar como ator, encontrar os pontos certos em meio ao caos e partir do mesmo para recomeçar. No início de uma pesquisa pessoal, o corpo, mesmo diante de algum comando, ainda não tem forma, essa é minha concepção, ele busca aos poucos a forma e somente assim, depois de achada, vem a pesquisa da forma corporal que ali vai se desenvolvendo, e depois vem a partitura. Mesmo para a imaginação de uma imagem, não nos é imaginado algo fixo, porque quando lemos ou pensamos ou falamos algo, uma palavra é relacionada a infinitos significados e situações, e a partir do diálogo que desenvolvemos diante da pesquisa, irão se formando estruturas mais concisas que esbocem aos poucos essa imagem, ou, no caso do GP, é nos dado um comando, tendo em conta um personagem ou não, ainda é nos dado um comando, seja pelo diretor ou por nós mesmos, pois primeiro visualizamos algo que vai sendo desenhado pelo corpo, mesmo que seja um dedo que se mova, ele passou por um estalo de minha imaginação. Mas, essa concepção ainda não tem um conceito firme. Apenas tenho partido de analises que vem se construindo a partir dessas aulas de corpo. Ainda assim, pode haver um êxtase, um devaneio junto ao deixar- se, durante essas pesquisas corporais que possam definir a imagem que se forma sem um pensamento pré- definido? Creio que nesse caso, seria necessário retornar ao ritual, como um meio de relacionar um corpo que não dialoga com o eu- enquanto imaginação.

O conhecimento dos princípios que governam o bios cênico permite algo mais: aprender a aprender. Isso é de enorme importância para os que escolhem superar os limites de uma técnica especializada ou para os que se vêem obrigados a fazê-lo. Na realidade aprender a aprender é essencial para todos. É a condição para dominar o próprio saber técnico e não ser dominado por ele. (BARBA, p. 24, 1994)

Barba, em seu discurso sobre os princípios que retornam, enfatiza que técnicas podem ser conscientes ou não conscientes. Penso que o corpo parte da memória no fazer, e por isso há os princípios que retornam, porque há o que se constrói a partir de um longo processo de técnicas para o desenvolvimento dessa imagem, mas há o que surge e que a principio pode parecer como um deixar- se do corpo, mas que na realidade pode ser uma memória corporal.
As diferentes técnicas do ator podem ser conscientes e codificadas: ou não conscientes, mas implícitas nos afazeres e na repetição da prática teatral. A análise transcultural mostra que nestas técnicas se podem individualizar alguns princípios-que-retornam. Estes princípios aplicados ao peso, ao equilíbrio, ao uso da coluna vertebral e dos olhos, produzem tensões físicas pré-expressivas. Trata-se de uma qualidade extracotidiana da energia que torna o corpo teatralmente "decidido", "vivo", "crível"; desse modo a presença do ator, seu bioscênico, consegue manter a atenção do espectador antes de transmitir qualquer mensagem. Trata-se de um antes lógico, não cronológico. (BARBA, p. 23, 1994)

O Corpo parte de um comando no qual a pesquisa pessoal está direcionada a pontos específicos, numa das aulas ministradas, Couto pediu que nosso corpo, a princípio ficasse em ponto zero, depois que cada aluno encontrasse seu espaço em palco, escutando uma música ao fundo, diante do comando, seríamos levados por nossa mão exercendo variados movimentos, ou seja, a mão conduz o corpo de tal modo que são gerados impulsos, isso remeteu- me muito à ação e reação e efeito marionete, porém sendo exercido como ação e reação sobre si mesmo e não sobre o outro como o de costume. Logo depois, exercemos uma variante do procedimento, agora, o corpo era estimulado pela região pélvica, como se toda estrutura gerasse um movimento mais quente, de entrega. As imagens que por vezes se esboçavam em meu corpo remetiam muito ao sexo, ao prazer ou a banalidade e gestos corporais mais animalescos.
 É estranho explica- lo dessa maneira, porque de certo modo nunca o havia pensado assim. Todos os dois movimentos exercidos nessa aula eram muito similares aos que eu costumava exercer na dança, no caso da mão, era de costume no balé contemporâneo e o da pélvis, muito comum no ragga Jam, um estilo de dança, com técnicas criadas pela dançarina Laure Courtellemont, baseada na cultura afro- jamaicana. Até então quando entregue à dança, meu corpo parecia dar- se por completo ao estilo, sem receios, mas nessa noite, durante o ensaio, houve um estalo de recusa. Por que parecia tão diferente utilizar essa técnica na dança e agora no teatro? Obviamente que foi muito rápido, resolvi entregar- me de corpo e alma para o momento, tentando atentar- me para todas as possibilidades, os desdobramentos que surgiam a partir de cada nuança nos gestos e membros do corpo.
De acordo com AZEVEDO,

O corpo disponível é aquele que permite que não se isola do fluxo dos acontecimentos ao redor de si, que se envolve com o meio ambiente e com os estímulos vindos, não da personagem, mas da relação com o grupo de criação. Corpo disponível é aquele capaz das respostas espontâneas e novas que somente a ausência de preconceitos e defesas maiores contra o mundo podem assegurar. (p. 192, 2008)

Percebi que vários dos desdobramentos levavam o corpo para fragmentos de imagens com pessoas bêbadas, Jovens vândalos, pessoas que pareciam muito reprimidas, mas que na verdade eram impregnadas por vontades mais animalescas que ficavam lhe atormentando no subconsciente, idosos que também sentem ainda a sensação do prazer e que ficam suprimidos pela sociedade, horas via algo mais banalizado, que sempre se voltava para o sexo, para a ansiedade, violência; mas, que não se fechava somente para isso, como por exemplo, veio- me a imagem de pessoas com deficiências, o fato de que remeteu- me também à pessoas reprimidas fez com que eu pensasse muito em relação à cena de Um Bonde Chamado Desejo, porque de certo modo, há um pouco mais de relaxamento em Stella e um pouco mais de anseio advindo do corpo de Blanche, então partindo da imaginação e incorporação de imagem para o GP, podem ser destacadas nuanças que se definam, para Stella, não apenas para o desejo e excitação, como tenho deixado já pré- definido, mas também o relaxamento do prazer, de ter Stanley e gostar desse amor mais animalesco; e, em relação à Blanche, a imagem de um corpo que conhece o prazer, que conhece muito bem o desejo, mas que se reprime intencionalmente para que não fique à vista uma imagem que se formou de outros lugares em que já esteve, então vejo um corpo latente e trêmulo por ansiedade de ter e ao mesmo tempo ter de se reter.   
Durante pequenos relapsos, via colegas que preferiram não fazer, e outros pareciam muito retraídos, com medo talvez do que os outros pudessem falar depois, tudo bem, eu também fiquei assim no início, mas Couto passou por mim completamente entregue e por conta disso resolvi deixar fluir a energia que o momento proporcionava, mas por vezes escutei risos em reação à novidade ou mesmo colegas que preferiram ficar apenas observando a fazer parte do que propunha o procedimento. Aliás, qual era o propósito disto? Seria exatamente deixar o corpo encontrar livres associações? Relaxar o corpo e em conseqüência a mente, deixando- o livre para as associações?

A preparação, tanto física quanto psicológica, é fundamental. Em primeiro lugar, o aparelho somático tem de estar ajustado segundo as leis naturais, e sob controle o ator, ou seja, ele deve estar preparado para conhecer suas sensações e as conseqüentes manifestações físicas produzidas por sua sensibilidade de intérprete. (AZEVEDO, p. 184, 2008)

Essa sensibilidade que se volta para a interpretação não me parece ser apenas para a imaginação enquanto voltada para o roteiro, mas também para o corpo. A sensibilidade de entender todas as possibilidades que o corpo pode propor, deixando- o falar, lhe mostrar sua capacidade de se expor ao diálogo interno e externo. E, assim desenhar no espaço. Esses desenhos na verdade são várias informações, estalos de inúmeras associações voluntárias e involuntárias que continuamente vão se esboçando durante a pesquisa corporal.
A sensibilidade e o deixar- se chegou no ponto de conflito na mente de cada um de nós. Sinto que por vezes tentamos manipular nossa mente para chegar no resultado desejado, mas que o costume inserido em cada um é tão latente que isso nos torna completamente limitados. E, não falo apenas de costumes impostos pela sociedade, e, sim no geral, como o da moralidade, da religiosidade entre outros, que por serem impregnados em nosso corpo, nos impedem de ver a vida daquele personagem que se cria, que suponhamos seja um personagem homossexual, deixando- nos desprovidos de alguma ação porque nossa religião não nos permite interpreta- lo, aceita- lo, tendo em conta que o teatro praticamente se desvincula de tais paradigmas e preconceitos advindos com a religião. Porque se for desse modo, como pode haver uma crítica ou uma reflexão relacionada à sociedade?
Volto- me nesse momento para uma das aulas de interpretação, cuja entrega de minha parte não pareceu estar completa, visto que, ao final do ensaio, Couto mostrou a mim e minha parceira de cena que deixamos escapar por vezes nosso GP, sem firmeza no personagem e na fala. Como menciona AZEVEDO:

É preciso que o ator descubra como estabelecer a passagem entre o que sua mente elaborou e o que seu corpo deve encarnar. O mundo da personagem terá de ser, todo ele, externado em ações claras, atos reveladores de seu interior, são problemas que pedem soluções adequadas, pequenos ou grandes obstáculos que tem de ir sendo, passo a passo, ultrapassados, para que surja enfim, a máscara em sua criação final. (p. 191, 2008)

O que na verdade, não parecia ser potente no desenrolar da cena de Blanche e Stella. Exatamente no momento em que foi solicitado o improviso de cena entre as personagens, percebi que não havia ainda uma visão mais concreta e uma relação profunda entre mim e a personagem. Tentei fixar sua vontade e impregna- la em meu corpo. Mas, a cada momento que Brenda Lotti ( interpretando Blanche) continuava mencionando, repetindo as frases, você está maluca, o que deu em você para ficar com esse homem? Sai dessa situação vei!
Sentia como se as palavras e mesmo a imagem de Stella ficasse quase como um holograma danificado em minha mente, indo e vindo o tempo inteiro, sendo incapaz de encontrar as palavras que Stella tentava me passar. Percebi a importância da concentração não apenas em cena, mas diante do que o personagem propõe, para assim, saber dialogar com o mesmo e encontrar o caminho, podendo esclarecer melhor as ações e externaliza- las em ações claras.
Cada um desses obstáculos, quando transposto, leva também a alargamento nos horizontes pessoais do intérprete, entrando em contato com zonas de sua personalidade mais ou menos ocultas, desejos desconhecidos e guardados apenas em seu subconsciente. A força necessária aos impulsos ou ímpetos de um organismo em direção ao exterior é diretamente proporcional à carga de desejos que aspiram a realização, ou, dito de outro modo, que se destinam a satisfazer necessidades básicas de manutenção de vida. São, portanto, forças de caráter erótico, e no caso específico da arte, de sublimação de desejos, por meio da canalização de energia, fruto da libido, em direção à produção artística. (AZEVEDO, p. 191- 192, 2008)

Faz parte de todo o desenvolvimento do personagem e nesse caso, do personagem já construído, a aparição desses obstáculos, mas a maneira como lidamos com a somatória dos procedimentos passados e mais a entrega diante do mesmo para conseguir esse diálogo, tornam- se imprescindíveis.
Na aula em que foi exercida a técnica de Corpus Improvisation- Points of Contact. Vi a grande importância do encontro entre corpos e como ir esboçando várias posições para que cada ponto do corpo fosse tocado. Não apenas pela técnica, mas também pelo diálogo entre os parceiros e a confiança posta em ambas as partes. Encontram- se novas possibilidades, corpos diferentes, desdobramentos diferentes. Num dos ensaios em que foi exercida a técnica, lembro de, a princípio, exercer o points of contact, mas logo depois, exercer a partiturização do mesmo a pedido de Couto, contando em tempos que duravam de dez segundos a um segundo. Naquele momento, não compreendi muito bem que na verdade havia uma minuciosa semelhança com a partiturização explicada por Arruda, mas por receio de estar seguindo uma técnica diferente, deixei- me apenas seguir alguns movimentos, sem realmente externaliza- los a tal ponto, que se formassem imagens. Me pergunto se era realmente um resultado parecido com esse que Couto estava procurando? Porque quando penso sobre cada imagem que se formou na partitura, vejo nitidamente um grande devaneio, mas que se tivesse um tempo a mais para pensar, antes de partiturizar, poderia tê- los pensando todos tendo em conta a personagem a ser trabalhada.
De fato, o corpo necessita de uma entrega completa, aonde cada detalhe e cada nuance será capaz de distinguir um personagem, como menciona Barba, ao falar sobre a antropologia teatral, nós temos os princípios de técnicas e cabe a nós o minucioso desenvolvimento em cima de cada personagem abordado. Acho importante enfatizar uma análise muito peculiar entre uma descrição de Barba e a importância de se perceber o corpo durante o trabalho corporal.

A exigência de perceber a atitude dos outros sobre mim foi uma condição diária que mantinha alerta todos os meus sentidos. Advertia-me para os mínimos impulsos, as reações inconscientes, a "vida" das tensões mais microscópicas que se carregavam para mim, observador atento, de significados e propósitos. (BARBA, p. 17, 1994)

Vejo a importância da utilização de técnicas diversificadas, principalmente tendo em conta o diálogo que por vezes se faz em ambas as partes, sendo imprescindível para o desenvolvimento enquanto aluno, ator ou diante da criação do personagem.

O trabalho do ator funde em um único perfil três aspectos diferentes correspondentes a três níveis de organização bem distinguíveis. O primeiro aspecto é individual. O segundo é comum a todos os que praticam o mesmo gênero espetacular. O terceiro concerne aos atores de tempo e culturas diferentes..Estes três aspectos são: 1. A personalidade do ator, sua sensibilidade, sua inteligência artística, sua individualidade social que torna cada ator único e irrepetível; 2. A particularidade da tradição cênica e do contexto histórico-cultural através dos quais a irrepetivel personalidade do ator se manifesta; 3. A utilização do corpo-mente segundo técnicas extracotidianas baseadas em princípios-que-retornam transculturais. (BARBA, p. 24- 25, 1994)

É de extrema relevância os níveis de organização discutidos por Barba, ao falar sobre a personalidade e individualidade que modela cada ator, pois assim, somos capazes de ver claramente, diante de cada individualidade podemos encontrar infinitas possibilidades de desdobramentos para cena. Nas aulas de Couto, geralmente formamos grupos que, cada um em seu tempo para pesquisa, forma um círculo aonde inicia o GP de seu personagem e dá seguimento para todos os outros atores que repetem o GP e depois seguem na mesma ideia. Por vezes encontro diversas nuances dos mesmos em relação ao meu GP. Poderia ser único, certo? Poderia ser algo completamente desenhado em todos os aspectos, como corpo e voz? Sim, e por que não? E, as vezes quase o conseguimos, mas, há um momento em que meu colega começa e exercer meu GP contínuas vezes em minha frente, quase pedindo que eu me manifeste de outro modo. Isso me pareceu muito peculiar, como a técnica Meisner (Sanford Meisner, que desenvolve o exercício da repetição), que apesar de ser exercida para o cinema, eu, por muitas vezes a exerci, com variantes, para o teatro. Percebi isso, analisando as alternâncias em freqüência, timbres, intensidades na voz, assim como a ação e reação corporal à resposta exercida por mim, nesse caso a resposta era exatamente a repetição exercida pelo outro, por ser meu GP; uma sobrancelha que se levanta, um corpo que se movimenta mais ou se alonga ou diminui a cada reação. Esse procedimento me parece muito rico em possibilidades, porque cada pessoa, com sua individualidade me proporciona uma variante singular e que pode ajudar na composição do personagem.
As técnicas utilizadas por Couto têm- se feito fundamentais não apenas diante do processo de criação para o personagem, mas também diante da indagação, da análise que é refeita em relação ao eu- pesquisador, que ao trabalhar o corpo na pratica de aula e para o projeto, acabei por reforçar alguns pontos relevantes para a pesquisa. Sem fixar- me apenas aos seus procedimentos, partindo da política do E, enquanto uma variante. Parto do princípio, novamente, de que é necessário se desapegar por completo de paradigmas da sociedade que nos limitam enquanto profissionais que, por que não, não deixam de ser os olhos, corpos e reflexão que se doa, diante da sociedade. 



REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Sônia Machado de. O Papel do Corpo no Corpo do Ator (Parte II: A gênese do gesto na relação com a personagem; Esforço interno e a produção de energia dramática; O corpo disponível- A relação entre impulso criativo e ação criativa). 2 ed. – São Paulo: Perspectiva, 2008.
ARRUDA, Rejane Kasting. Arranjo e Enquadramento na Política do “E” Por uma Pedagogia do Teatro Híbrida. Urdimento, Vol. 2. Dezembro, 2015.
ARRUDA, Rejane Kasting “A pergunta que antecede a fala: um procedimento para o ator no cinema”. São Paulo: Universidade de São Paulo; VI Reunião Científica da ABRACE- Porto Alegre, 2011.

BARBA, Eugênio. A Canoa de Papel- Tratado de Antropologia Teatral. Editora HUCITEC, São Paulo 1994.

ARTIGO DE INTERPRETAÇÃO III
Análise sobre o caminho do ator e a composição do personagem com base em - Imorais

Resumo

No seguinte artigo, serão analisadas minhas experiências com base nos textos de “Imaginação e Incorporação de Imagens” e “O Gesto Psicológico”, de Chekhov, em conjunto com as experiências adquiridas nas aulas laboratoriais realizadas por Couto, que, parte das Interpretações da Dramaturgia- Imorais, uma adaptação de Couto, com fragmentos de várias Obras Dramatúrgicas. Parte- se do princípio de experienciar o doar- se diante de cada personagem para descobrir pistas de como eles realmente são, partir de uma pesquisa que caracteriza por ser contínua e em constante adaptação, e, partir do Gesto Psicológico como uma linha para se saber ação que delinea o personagem, bem como sua intenção para a composição de cena.

Análise sobre o caminho do ator e a composição do personagem com base em – Imorais

Aprender e querer antes de tudo aprender a aprender. Inicio com essa frase, que deixei guardada na memória desde o curso de física. Essa frase era sempre repetida por meu professor de metodologia, porque segundo o mesmo, antes de aprender é necessário que seu corpo e mente se deixem passar por esse processo e assim a mente e o corpo tornam- se disponíveis para o novo, sem tantos medos e receios que costumam ser invadidos pela mente. Durante as aulas de interpretação tenho relembrado essa frase continuamente, a começar pelo respeito que Couto faz questão de sempre enfatizar, o respeito primeiramente por estar num lugar sagrado, aonde nos entregamos de corpo e alma, o palco. Tivemos num quesito geral, de deixar maus hábitos e adquirir novos, como o de escutar, de se atentar, de respeitar a direção e ser mais profissionais.

O Andarilho que descobre seu caminho

No decorrer das aulas, tive de lidar com uma velha companheira, “a imaginação e a incorporação de imagens” que sempre esteve presente, diante de meus olhos, porém, ainda tão espessa, aguardando para ser acordada e direcionada para a finalidade correta.
Segue o ensaio, Couto solicita que meu colega vá para o centro do palco e componha uma imagem, e a partir do que ele propôs, é solicitado que eu me aproxime e componha o segmento da mesma, e assim também os meus outros dois colegas o fazem, até que se forme uma imagem. Depois, é solicitado que façamos mais duas imagens que represente o antes e a outra, o depois. Foi a primeira vez que trabalhei desse modo e percebi que uma única imagem pode abrir muitos repertórios para a composição de cena, porque cada pessoa que contribui com aquele desenho que se forma, pensa em algo diferente. Eu por exemplo, tinha uma ideia completamente distinta quando formei a primeira imagem e depois foram seguindo vários desdobramentos a partir das pessoas que participavam. Num outro momento, durante os ensaios para as possíveis cenas testadas, interpretei uma adolescente, uma menina com uns quinze anos, ela tinha muito medo do médico que lhe fazia a consulta e sempre relutava muito para ir na consulta com a tia. Na verdade aquela adolescente poderia muito bem ter medo dele por conta de algo que já havia ocorrido, como por exemplo algum abuso da parte do mesmo. Você sabe, acontece que há profissionais com má índole, e esse médico parecia fazer bem esse tipo. Isso fica muito visível na maneira como ele a observava e conversava com ela, parece que chegava a deseja- la. E, de fato, seu toque parecia um tanto abusivo. Foi dessa forma que vi aquela cena acontecendo.

Cena 6: NO CONSULTÓRIO
DR. LAMBRETA- Está com dodói, coração? Diz pro vovô, diz? Que idade você tem?
Essa frase, trabalhada em cena, mudava completamente conforme a intenção proposta para o personagem. Qual a intenção de Dr. Lambreta? Enfatizo- “Está com dodói, coração? Que idade você tem?” Nela, Dr. Lambreta, interpretado por meu colega Diogo, aderiu ao personagem um olhar mais animalesco, como um predador que deseja, à espreita, comer sua presa.

Diante da proposta, não consegui manter a menina, porque minha mente parecia muito relapsa. Não havia uma conexão forte que teria permitido essa comunicação, ou melhor, essa ligação direta com o personagem. Depois, vi a mesma cena, com minha colega, que possui características bem singulares (referindo- me à voz mais estridente e olhar inocente), percebi que seu corpo e Gesto Psicológico dialogou intensamente com a personagem. Diante dessa observação, não afirmo que tenha sido somente por falta de atenção, mas por um ótimo olhar da direção. Como um diretor, imagino, em seu lugar, que num teste apareçam várias atrizes que aparentem um pouco do que ele visualiza diante do papel, e, então aparece aquela que tem uma incrível semelhança com o que se deseja. Esse olhar sobre o diretor, bem, deve- se ter a confiança diante da experiência desse profissional. Apesar disso, logo de imediato foi difícil para mim, entender que nem sempre se trata de querer, mas de algo a mais que cada um de nós possuímos, uma essência que pode dialogar ou não com aquela imagem que se apresenta diante de nós, mas que, na ausência do dialogo, não se deve deixar para trás e sim, experienciar, sem medo, sem receios.
Lendo o texto de Imaginação e Incorporação de Imagem, tive uma catarse, sobre vários momentos que parei para construir uma personagem e brincar, eu sempre tive o costume de fazer isso com minhas irmãs, outras vezes acabava brincando sozinha. E, nunca passou por minha cabeça que isso tinha realmente uma finalidade e era um procedimento realmente tão válido.

Desejos, devaneios, objetivos de vida, êxitos e fracasso, esquecidos e vagamente recordados aparecem como imagens em sua mente, sem fidelidade aos fatos, como recordações. Agora, em retrospecto, estão levemente mudados, com alguns traços de imaginação. Eis que surgem aqui e li imagens desconhecidas. Elas são produtos de sua imaginação criativa. (CHEKHOV, p. 25- 26, 1986)

Ainda hoje, se paro para pensar e me concentrar, percebo que minha mente me passa infinitas informações, as vezes a partir de uma única palavra. A nossa imaginação é muito criativa e capaz de criar um lugar, uma população inteira provavelmente, apenas pelo simples fato de estar ali parado a imaginar. Chekhov, fez- me atentar para o melhor uso desse procedimento. Depois de uma das aulas de Lara, cheguei em casa, me tranquei no outro quarto e comecei a tentar fazer de acordo com o que era direcionado pelo autor.

Diverte-o o fato de que essas imagens possuem suas próprias vidas independentes; espanta- o o fato de que elas apareçam sem serem convidadas, forçando- o a observa- lo com mais freqüência, despertando seus sentimentos- e ocorre uma reação. Você ri e chora com eles. Como mágica você vê- se no desejo de estar entre eles, de ser um deles, vê- se agora entre eles, quer atuar e atua. De um estado de espírito passivo para um estado criativo. Eis o poder da imaginação. (CHEKHOV, p. 26, 1986)

Exerci o mesmo procedimento depois, no desenvolvimento da personagem que está em criação num projeto paralelo. O meu “estar”, durante esse ensaio, em casa, foi tão intenso, que senti como se esse fosse um dos poucos momentos em que realmente houve essa ligação, um deixar- se ser invadido pela imagem que dialoga com você.

Embora essas imagens criativas sejam independentes e mutáveis entre si, o ator não deve pensar que elas lhe surgiram inteiramente desenvolvidas e realizadas. Para que atinjam o grau de expressividade que o satisfaça, precisará de uma colaboração ativa. Assim, o ator deve fazer perguntas a essa imagem como se fizesse a um amigo, por vezes, lhe dará até ordens rigorosas. Modificando- se  e completando- se sob a influência de suas perguntas e ordens, elas darão respostas visíveis a sua visão interior. (CHEKHOV, p. 27, 1986)

Lembro- me de ter deitado na cama e começado a conversar, mas não com o meu personagem, e sim com o personagem que representava algo para aquele que eu interpretava, o que criei depois disso foi uma variante, utilizei para indagar o outro e reagir ao silencio, ou seja, nem sempre haviam respostas do personagem que dialogava comigo, o que gerava tensão e diferentes reações em meu diálogo com o personagem.
Pensei que seria interessante levar os testes para as aulas, mas ocorreram diversos problemas que me impossibilitaram de estar presente, então, quando dei por mim já não estava mais interpretando o mesmo personagem. Foi então que comecei a declinar nas aulas, parecia que algo não estava dando certo. Interpretei um homem bêbado, mas parecia estar mais ausente do que presente nas aulas. Fui afundada em pensamentos negativos e me pressionei demais, com receio de não estar suprindo quaisquer expectativas. Decidi buscar algum fragmento de roteiro que achasse interessante e acabei por escolher Um Bonde Chamado Desejo, observei que ele se assemelhava de certo modo às características dos outros que eram propostos, por ter uma mulher que apesar de apanhar quase sempre do marido quando bebia, continuava ali, porque se acostumou ou porque simplesmente aceitou essa condição que veio junto ao seu amor por Stanley; por se sentir bem num ambiente mais hostil- digo, hostil dependendo de um ponto de vista obviamente. E, num contraste, a irmã que chega, e vê o subúrbio e fica completamente apática a situação, sendo quase incapaz de entender porque a irmã fica com alguém tão rude como Stan. Mas, que apesar de seus receios e falsa nobreza, de certo modo é instigada por essa brutalidade (Blanche).

Cena 10- UM BONDE CHAMADO DESEJO
(...)
BLANCHE-  Está bem. Vou repetir a pergunta, agir calmamente. Como pôde voltar para esta casa a noite passada? Você deve ter dormido com ele!
STELLA- (...) Está dando demasiada importância a isso.
(...) Stanley sempre quebra coisas. Na noite do nosso casamento, logo que entramos aqui, ele apanhou uma das minhas chinelas, correu pela casa e quebrou todas as lâmpadas.
(...)
BLANCHE- E você... você deixou? Não correu, não gritou?
STELLA-  Eu fiquei meio excitada com isso.
Em paralelo à minha escolha, também foi passado um novo procedimento, o Gesto Psicológico (GP).
Nas qualidades e nas sensações encontramos a chave para o tesouro de nossos sentimentos. Mas existirá tal chave para nossa força de vontade? Sim, e encontramo- la no movimento (ação, gesto). Você pode facilmente provar isso a si mesmo tentando fazer um gesto forte, bem delineado, mas simples. Repita- o várias vezes e você verá que, após um certo tempo, a força de vontade tornar- se- á cada vez mais forte sob a influência desse gesto. ( CHEKHOV, p. 75, 1986)

De certo modo, senti dificuldade durante as aulas já em cima dessa proposta. Como por exemplo em como encontrar o principal objetivo dessa personagem? Como encontrar o principal desejo dessa personagem? Iniciei diversas vezes, com muitas falhas o GP para Stella, mas sentia que ela ainda não estava madura, era o que sempre pensava e praticamente o que sempre Couto dava a entender, talvez fosse o medo da entrega diante dos colegas, por ser um personagem novo e tendo em conta o GP que criei, por vezes percebia muitos olhares que remetiam a indiferença e isso me consumia, atrapalhando minha concentração. A princípio, escolhi para o GP- “adoro o Stanley e gosto quando ele me bate”. Mas, depois de pensar muito sobre Stella, chego numa certa dúvida se esse desejo que construí para me movê-la seria o suficiente. Haja vista que não tenho conseguido sustentar o personagem. Há a necessidade de mais concentração em palco. Deixar meu olhar se conectar com Stella, sinto isso, essa falta, de largar esse medo que tenho criado e que não é normal.

Podemos dizer que o vigor do movimento instiga nossa força de vontade em geral; que a espécie de movimento desperta em nós um definido desejo correspondente e que a qualidade desse mesmo movimento evoca nossos sentimentos. (CHEKHOV, p. 76, 1986)

Num outro momento, Couto pede a mim e minha companheira de cena para repetirmos várias vezes seguidas o GP e em vários intervalos de tempo. De algum modo, Couto nos instiga fazendo com que cheguemos num ápice, e depois retornamos para a cena. Há, nesse momento, uma certa linearidade que necessita apenas de ajustes. Porém, por conta da falta de pesquisa em cima do personagem, sem trabalhar o roteiro, acabei deixando- o muito vazio, sem novas abordagens de minha parte, que possam ajudar a direção durante a composição de cena.

O raciocínio seco mata a imaginação. Quanto mais você sondar e aprofundar sua mente analítica, mais silenciosos se tornarão seus sentimentos, mais fraca sua vontade e mais pobres as oportunidades propiciadas à inspiração. (CHEKHOV, p. 29, 1986)

Ainda assim, não desisti, a pesquisa não deve ser realizada apenas na duração de uma aula. Querendo achar as respostas que procuro, o caminho aprender o roteiro e dialogar com o que o personagem me apresenta no mesmo. Segue em contínua construção o estudo frente ao personagem- Stella.

Recentemente, escalada para participar na cena de “O Pudor do Rio de Janeiro”, Não tive a oportunidade de trabalhar o GP em sala de aula. No entanto, resolvi dedicar- me no quarto para a criação da imagem e busca do GP, pergunto- me nesse momento se, parte desse embasamento em interpretação fixar- me somente no GP e imaginação e incorporação de imagem ou se faz- se necessário a busca de outros métodos que também influenciem de forma positiva na composição do personagem. Apesar disso, sinto que pude ir mais alem do que o esperado para essa cena. Devo levar em conta que mesmo com a busca de outros meios que influenciem de forma positiva a composição do personagem, sinto a necessidade de testar, a partir dessa oportunidade, todos os meios possíveis que tenham como base o GP e incorporação, pois obtendo um determinado resultado a partir do mesmo, pode- se haver uma boa análise desse procedimento em relação aos demais. Como se diz a palavra- Experiência. A experiência será fundamental nesse instante, o que é experimentado poderá ser realmente comentado e discutido.
A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. (Bondía, p. 21, 2002)
Experimentar o novo por vezes pode nos gerar um grande desconforto, e, isso não é diferente quanto à nova metodologia, também não é diferente quanto aos personagens. Tenho observado que muitos de meus colegas, talvez por medo frente ao novo, começaram a dizer “não” e “vou pensar” com maior freqüência nas aulas; obviamente, eu mesma nem sempre me sinto a vontade com alguns personagens, porém, decidi encarar as barreiras que tem surgido de modo diferente. Se eu apenas passar a interpretar personagens com os quais me sinto à vontade, que tipo de experiência terei? Adentrar nessa área, como tenho percebido constantemente, diante de tantas intempéries, requer algo chamado “doar- se”, e, percebemos isso da pior forma possível, porque nem todos sentimo- nos preparados para essa entrega.
Segue em construção os estudos e análises dos personagens com base nos GP’s e Incorporação de Imagens. Tendo em conta pontos relevantes.

Quanto mais desenvolvida é sua imaginação, por meio de exercícios sistemáticos, mais flexível e ágil ela se torna. Você deve possuir suficiente força de vontade, mais do em geral exerce nas atividades cotidianas para conservá- las ao ponto em que elas afetem e despertem seus próprios sentimentos. Esse é o poder da concentração. (CHEKHOV, p. 31, 1986)

Chekhov ao falar sobre os meios de exercícios sistemáticos, também esclarece que, mesmo sendo exercido esse trabalho direcionado, não se deve simplesmente espremer esse sentimentos, porque eles irão surgindo por si próprios. Nesse trabalho, que requer tempo, concentração e paciência. Será percebido que não se resultará num estudo superficial do personagem, mas numa relação profunda, ao ponto que, será necessário compor do todo apenas fragmentos, porque assim, haverá sempre uma base a recorrer para preencher, sem estagnar ou tornar o personagem um arquétipo. Penso nessa observação como um diálogo sobre um ser que se for pesquisado profundamente, também será entendido como complexo, assim como nós, e dentro dessa complexidade, há vários caminhos e é a partir desses que podemos trazer sempre algo novo.

Quando trabalha desse modo a personagem que irá interpretar no palco, você pode, para começar, escolher apenas uma característica dentre todas as que apresentam a sua visão interior. Assim fazendo, você nunca conhecerá o choque resultante da tentativa de incorporar a imagem toda de uma só vez, num ávido trago. Você sabe que seu corpo, sua voz e toda sua compleição psicológica nem sempre são capazes de ajustar- se em curto prazo à sua visão. Trabalhar a imagem pouco a pouco evita essa dificuldade. Habilita seus meios de expressão a processarem tranquilamente a necessária transformação e a se prepararem para anuir às respectivas tarefas que terão de cumprir. (CHEKHOV, p. 39, 1986)

Ainda sobre a complexidade que compõe cada imagem que aos se desenvolve, dando vida ao personagem.
Tendo em conta a investigação de sua personagem, você deve penetrar nela, procurar encontrar que espécie de pessoa ela é. Pode- se fazer isso usando sua mente analítica ou através do GP. No primeiro caso, percorre um longo caminho, pois a mente racional, em geral, não é suficientemente imaginativa, é fria e abstrata demais para realizar um trabalho artístico, podendo retardar sua capacidade de imaginação por muito tempo. Talvez note que, quanto mais sua mente conhece a respeito de sua personagem, menos apto você estará a interpretá- la. Isso é uma lei psicológica.É como conhecer tudo a respeito de uma determinada ciência ou arte, mas ignorar o fato de que essa inteligência per se está muito longe de significar proficiência nessa ciência ou arte. Mas, se aplicar o GP a fim de estudar sua personagem, estará recorrendo diretamente às suas forças criativas e não se tornará um ator “livresco” ou um que limita a “papaguear” seu papel mecanicamente. (CHEKHOV, Pg. 84- 85, 1986)

Percebe, então que o trabalho do ator vai além da composição de cena. Porque este, que busca dialogar o mais próximo possível do que lhe é proposto, parte de um estudo minucioso, um longo trabalho, que envolva a entrega, que envolve quase ou mais que o trabalho de um equilibrista. Sendo esse capaz de dialogar a tal ponto com o personagem, que possa entende- lo em sua compleitude e sendo o mesmo bastante minucioso sobre cada abordagem que resgata dos fragmentos encontrados para não tornar o personagem um arquétipo qualquer, mas um ser com vida, com que se é capaz de gerar o famoso encantamento do público, trazer o público para sua vida e fazê- lo chorar e fazê- lo sorrir. Por fim, apesar de seu caráter político, finalizo com um pequeno fragmento da composição de João Bosco (melodia) e Aldir Blanc (letra), O Bêbado e a Equilibrista, por achar uma similaridade sobre o quão duro é um trabalho de um ator para trazer o público o mais perto possível dos fragmentos de realidades ou utopias que se quer fazer refletir ou apreciar.
(...)
Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar

Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar
Elis Regina1

REFERÊNCIA

BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Universidade de Barcelona, Espanha. Tradução de João Wanderley Geraldi, Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Lingüística. 2002
CHEKHOV, Michael.To the actor: On the Technique of the acting. Capítulo 2- Imaginação e Incorporação de Imagens. Editora Ltda, São Paulo, 1986.
1Letra da música “O bêbado e a Equilibrista”, por Elis Regina. https://www.letras.mus.br/elis-regina/45679/

SILVA, Luiz Fernando L.R. O poético e o factual na letra da canção “O bêbado e a equilibrista”. Revista Alpha, Patos de Minas, 2016.

Fichamentos Interpretação II Lara Couto

Fichamento: CHEKHOV, Michael. To the actor: On the Technique of the acting. Capítulo 5: O Gesto psicológico. Editora Ltda, São Paulo, 1986.
Pg. 75
(...) Não podemos controlar diretamente nossos sentimentos, mas podemos instigá- los, provocá- los e induzi- los por certos meios indiretos. A mesma coisa deve ser dita acerca de nossos desejos, necessidades, anseios, carências, apetites, nostalgias e aspirações, que se geram, embora sempre misturados, com sentimentos, na esfera de nossa vontade.

Nas qualidades e nas sensações encontramos a chave para o tesouro de nossos sentimentos. Mas existirá tal chave para nossa força de vontade? Sim, e encontramo- la no movimento (ação, gesto). Você pode facilmente provar isso a si mesmo tentando fazer um gesto forte, bem delineado, mas simples. Repita- o várias vezes e você verá que, após um certo tempo, a força de vontade tornar- se- á cada vez mais forte sob a influência desse gesto.

Pg. 76
Podemos dizer que o vigor do movimento instiga nossa força de vontade em geral; que a espécie de movimento desperta em nós um definido desejo correspondente e que a qualidade desse mesmo movimento evoca nossos sentimentos.

Imagine que você irá interpretar uma personagem que, na sua primeira impressão geral, possui uma vontade férrea, com desejos autoritários, despóticos, cheia de ódio e desprezo. A princípio você procura um gesto global adequado que possa expressar tudo isso nessa personagem, e, após algumas tentativas, talvez o descubra. (citação indireta)

O gesto é forte e bem delineado. Quando repetido várias vezes, tenderá a fortalecer sua vontade. A direção de cada membro, a posição final de todo o corpo, assim como a inclinação da cabeça são tais que evocarão inevitavelmente um desejo definido de dominação e conduta despótica. As qualidades que enchem e impregnam cada músculo do corpo provocarão dentro de você sentimentos de ódio e desprezo ou repulsa. Assim, por meio do gesto você penetra e estimula as profundezas de sua própria psicologia.

Pg. 78 e 84
Como exemplo, pensemos numa personagem  que, de certo modo, contrasta com a segunda ( exemplo anterior referente à uma personagem  de caráter agressivo, até fanático, apaixonada). É inteiramente introspectiva, sem o menor desejo de entrar em contato com o mundo de cima ou de baixo, mas não necessariamente um caráter fraco. Seu desejo de isolamento pode ser muito forte. Uma qualidade cismática, melancólica impregna todo o seu ser. (...) Sobre os personagens de todos  os casos, estudando e exercitando os gestos e suas posições finais, o ator sentirá sua tríplice influência sobre sua psicologia. (citação indireta)

Pg. 84
Chamemo- lhes Gestos Psicológicos (doravante citados como GPs), porque seu objetivo é influenciar, instigar, moldar e sintonizar toda a sua vida interior com seus fins e propósitos artísticos.

Pg. 84- 85
Tendo em conta a investigação de sua personagem, você deve penetrar nela, procurar encontrar que espécie de pessoa ela é. Pode- se fazer isso usando sua mente analítica ou através do GP. No primeiro caso, percorre um longo caminho, pois a mente racional, em geral, não é suficientemente imaginativa, é fria e abstrata demais para realizar um trabalho artístico, podendo retardar sua capacidade de imaginação por muito tempo. Talvez note que, quanto mais sua mente conhece a respeito de sua personagem, menos apto você estará a interpretá- la. Isso é uma lei psicológica.É como conhecer tudo a respeito de uma determinada ciência ou arte, mas ignorar o fato de que essa inteligência per se está muito longe de significar proficiência nessa ciência ou arte. Mas, se aplicar o GP a fim de estudar sua personagem, estará recorrendo diretamente às suas forças criativas e não se tornará um ator “livresco” ou um que limita a “papaguear” seu papel mecanicamente.
Pg. 86







]Fichamento: CHEKHOV, Michael.To the actor: On the Technique of the acting. Capítulo 2- Imaginação e Incorporação de Imagens. Editora Ltda, São Paulo, 1986.
Pg.25- 26
Desejos, devaneios, objetivos de vida, êxitos e fracasso, esquecidos e vagamente recordados aparecem como imagens em sua mente, sem fidelidade aos fatos, como recordações. Agora, em retrospecto, estão levemente mudados, com alguns traços de imaginação. Eis que surgem aqui e li imagens desconhecidas. Elas são produtos de sua imaginação criativa.
Pg. 26
Não tarda que essas imagens, que aparecerem e reaparecem trazendo consigo figuras estranhas, comecem a “atuar”, a “representar” diante de seu olhar fascinado.

Diverte- o o fato de que essas imagens possuem suas próprias vidas independentes; espanta- o o fato de que elas apareçam ser serem convidadas, forçando- o a observa- lo com mais freqüência, despertando seus sentimentos- e ocorre uma reação. Você ri e chora com eles. Como mágica você vê- se no desejo de estar em eles, de ser um deles, vê- se agora entre eles, quer atuar e atua. De um estado de espírito passivo para um estado criativo. Eis o poder da imaginação.


Pg. 27
Embora essas imagens criativas sejam independentes e mutáveis entre si, o ator não deve pensar que elas lhe surgiram inteiramente desenvolvidas e realizadas. Para que atinjam o grau de expressividade que o satisfaça, precisará de uma colaboração ativa. Assim, o ator deve fazer perguntas a essa imagem como se fizesse a um amigo, por vezes, lhe dará até ordens rigorosas. Modificando- se  e completando- se sob a influência de suas perguntas e ordens, elas darão respostas visíveis a sua visão interior.

Pg. 29
Você orienta e constrói sua personagem fazendo novas perguntas, ordenando- lhe que mostre diferentes variações de possíveis modos de atuar, de acordo com seu gosto (ou com a interpretação da personagem dada pelo diretor). A imagem muda, transforma- se repetidas vezes até que, subitamente ou gradualmente você se sente satisfeito com ela. Assim, você estará apto a estudar e a criar sua personagem mais profundamente.

 O raciocínio seco mata a imaginação. Quanto mais você sondar e aprofundar sua mente analítica, mais silenciosos se tornarão seus sentimentos, mais fraca sua vontade e mais pobres as oportunidades propiciadas à inspiração.

Pg. 30
As imagens que vejo com o olho da mente têm sua própria psicologia, à semelhança das pessoas que me rodeiam em minha vida cotidiana. Entretanto, há uma diferença: na vida cotidiana, vendo as pessoas somente por suas manifestações exteriores, movimentos, gestos, vozes e nada vislumbrando por trás de suas expressões faciais, movimentos, gestos, vozes, entonações, eu poderia julgar erroneamente suas vidas interiores.
A vida interior das imagens criativas está completamente aberta à minha contemplação. São- me reveladas todas as suas emoções, seus sentimentos, suas paixões, seus pensamentos, seus propósitos e seus desejos mais íntimos, ou seja, vejo a vida interior através de minha personagem.


Pg. 31
Para o desenvolvimento da imagem em alto grau, perceberá que não necessitará espremer seus sentimentos para extraí- los de seu eu, eles surgirão por si mesmos  de seu íntimo, sem esforço, com desembaraço, assim que você aprender a ver a psicologia, a vida interior de suas imagens.

Quanto mais desenvolvida é sua imaginação, por meio de exercícios sistemáticos, mais flexível e ágil ela se torna. Você deve possuir suficiente força de vontade, mais do em geral exerce nas atividades cotidianas para conservá- las ao ponto em que elas afetem e despertem seus próprios sentimentos. Esse é o poder da concentração.

Pg. 32
O verdadeiro ator não deslizará pelas superfícies das personagens que interpreta nem lhes imporá seus maneirismos pessoais e invariáveis. Criar na acepção real significa descobrir e criar novas coisas.

Pg. 33- 34
Inicie o exercício com recordações de eventos simples e impessoais. Tente recordar o maior número possível de detalhes. Concentre- se nessas recordações, procurando não romper o fluxo de sua concentração. Logo, comece treinando- se em capturar a primeira imagem no próprio momento em que ela aparece aos olhos de sua mente.

Apanhe um livro, abra- o numa página ao acaso, leia uma palavra e veja que imagem essa palavra faz surgir em seu espírito. Isso lhe ensinará a imaginar coisas, em vez de limitar às concepções abstratas, inanimadas dessas coisas.

Pg. 34- 35
Após um certo tempo, tendo captado uma imagem, observe- a e aguarde até que ela comece a movimentar- se, a “mudar”, a “falar” e a “atuar” por si só. Atente para o fato de que cada imagem tem sua vida independente. Não interfira nessa vida, mas acompanhe- a pelo menos por alguns minutos. Depois, crie novamente uma imagem e deixe- a desenvolver sua vida independente. Passados alguns instantes, comece a interferir nela fazendo perguntas ou dando ordens: Quer mostrar- me como você se senta? Como se levanta? Como caminha? Como sobe e desce uma escada? Como se encontra com outras pessoas? Se a vida da imagem adquirir força excessiva e se tornar obstinada, converta para ordens. Agora acrescentando uma natureza mais psicológica: que aparência toma quando está obstinado? Bem- humorado?...Dê boas vindas cordiais a um amigo. Mostre- se desconfiado, pensativo. Ria, chore. Repetindo quantas vezes forem necessárias até que a imagem lhe mostre o que você quer ver. Coloque- a em situações diferentes, dê- lhe ordens como de mudar sua aparência exterior, fixe- a em outras tarefas, alternando em liberdade e depois dando ordens novamente.

Pg. 35
Escolha uma cena curta de uma peça, com poucas personagens por várias vezes em sua imaginação. Depois formule às personagens uma série de perguntas, dê- lhes um certo número de sugestões:- Como atuariam se a atmosfera da cena fosse diferente? Sugira atmosferas distintas. Mude o ritmo da cena. Peça que lhe dêem mais força a sentimentos, que tornem outros mais fracos e etc. Assim, você aprenderá a colaborar com a sua imagem criativa enquanto trabalha seu papel, você aprenderá a aceitar sugestões de sua imagem.

Agora, tente aprender a penetrar, através das manifestações exteriores de uma imagem, a sua vida interior.

Pg. 36- 37
É certo que, com freqüência, as imagens lhe revelam sentimentos, emoções e desejam de que você não tinha conhecimento antes de começar a usar a imaginação criativa. Mas, seja qual for o nível profundo de sua vida subconsciente donde tenham emergido, tais sentimento, emoções e desejos são, de qualquer modo, seus.
Parte- se agora para o exercício de desenvolver a flexibilidade de sua imaginação. Escolha uma imagem e estude- a pormenorizadamente. Depois, faça- a transformar- se aos poucos numa outra imagem. Ex: Um homem torna- se gradualmente velho e vise e versa.

Depois, comece a trabalhar com imagens em movimento, como por exemplo uma multidão excitada ou um torneio de cavaleiros.Tente ouvir as vozes e os sons de suas imagens. Não permita que sua atenção seja distraída ou salte de uma cena para outra e assim perca as cenas de transição. A transformação de imagens deve seguir um fluxo regular e contínuo como um filme.

Pg. 37
Crie em seguida uma personagem inteiramente por si mesmo. Comece a desenvolvê- la  e elabora- la com detalhes, Trabalhe nela durante dias ou até semanas. Trabalhando desse modo, pode chegar o momento a qualquer instante, em que sua imagem se tornará tão poderosa, que você será incapaz de resistir ao desejo de incorporá- la, de representá- la, mesmo que seja uma cena curta.
Pg. 38
Imagine- se inicialmente fazendo algum movimento simples: erguer um braço, por- se de pé, sentar- se ou apanhar um objeto. Estude esse movimento em sua imaginação e depois concretize- o. Imite- o, por assim dizer o mais fielmente que puder. Se, ao concretiza- lo, notar que algum movimento não é igual, repita novamente o movimento, até estar certo que sou corpo seguiu exatamente todos os detalhes propostos no movimento imaginado.
Faça o mesmo procedimento com a personagem de uma pessoa, observando cada detalhe. Você perceberá que poderá acontecer pequenos desvios. Esse desvio é resultado da súbita inspiração durante o processo de incorporação, aceite- o como um fato positivo e desejável.
Assim, será estabelecido gradualmente as ligações tão necessárias para vincular a sua vívida imaginação a seu corpo, voz e psicologia.

Pg. 39
Quando trabalha desse modo a personagem que irá interpretar no palco, você pode, para começar, escolher apenas uma característica dentre todas as que apresentam a sua visão interior. Assim fazendo, você nunca conhecerá o choque resultante da tentativa de incorporar a imagem toda de uma só vez, num ávido trago. Você sabe que seu corpo, sua voz e toda sua compleição psicológica nem sempre são capazes de ajustar- se em curto prazo à sua visão. Trabalhar a imagem pouco a pouco evita essa dificuldade. Habilita seus meios de expressão a processarem tranquilamente a necessária transformação e a se prepararem para anuir às respectivas tarefas que terão de cumprir.



CHEKHOV, Michael. Para o Ator- Como Abordar o Papel, 1981; (Tradução: Álvaro Cabral- 2ª edição, São Paulo, 1996.
Pg. 163- 164
(...) Existem numerosas maneiras de abordar o papel. Uma delas é por meio do uso de nossa imaginação, vamos supor, portanto, que escolhemos abordá-los dessa maneira. (...)Comece lendo a peça várias vezes, até estar familiarizado com ele como um todo. Depois, concentre- se somente em sua personagem, imaginando- a primeiro, cena após cena. Em seguida, demore- se nos momentos (situações, frases, diálogos) que mais atraem sua atenção.

Pg. 164
Continue fazendo isso até “ver” a vida interior da personagem, assim como sua aparência exterior. Espere até que ela desperte seus próprios sentimentos. Tente “ouvir” a personagem falar.

Você pode ver sua personagem tal como foi escrita pelo autor ou poderá também ver-se a sim mesmo desempenhando a personagem já caracterizada. Ambas as maneiras são corretas.

Comece colaborando com a personagem, fazendo perguntas e obtendo suas respostas “visíveis”. Faça suas perguntas a respeito de qualquer momento que escolher, independente da continuidade das cenas, tal como dada na peça, melhorando assim alguma coisa em seu desempenho aqui, aperfeiçoando alguma coisa ali, à medida que vai passando os olhos por toda a área da personagem. (...) incorporando-a pouco a pouco, com movimentos, frases e pausas.

Continue esse trabalho mesmo depois de iniciados os ensaios gerais da peça. Guarde todas as impressões que acumulou durante os ensaios no palco, seu próprio desempenho, o desempenho de seus colegas de elenco, as sugestões e marcações dadas pelo diretor, cenários, etc. Inclua tudo isso em sua imaginação e depois, recapitulando uma vez mais seu prório desempenho, formule a pergunta: “Como posso melhorar este ou aquele momento?” Responda melhorando- o primeiro em sua imaginação e depois submetendo- o à prova real (trabalhando ainda em casa entre os ensaios).

Pg. 164-165
Nossas imagens estão livres de quaisquer inibições porque são produtos diretos e espontâneos de nossa individualidade criativa. Tudo o que dificulta o ator provém de um corpo subdesenvolvido ou de peculiaridades psicológicas pessoais, como timidez, falta de confiança e medo de causar uma falsa impressão (sobretudo durante o primeiro ensaio).Nenhum desses elementos perturbadores  é conhecido de nossa individualidade criativa; ela está tão livre de limitações psicológicas pessoais quanto nossas imagens estão livres de corpos materiais.

165
Sua intuição artística lhe dirá quando esse trabalho com a imaginação tiver cumprido seu propósito de ajudá- lo a estabelecer a personagem. Poderá então ser posto de lado. Não se apóie exclusivamente nele por tempo demais, ou pesadamente demais, como se fosse seu único esteio para abordar um papel. Você pode usar mais de um meio simultaneamente.

Também pode começar seu trabalho na base de atmosferas. Imagine sua personagem movimentando- se declamando suas falas em diferentes atmosferas dadas ou indicadas pela peça. Depois, crie uma dessas atmosferas em sua volta. E, comece atuando sob a influencia dela. Atente para que seus movimentos, o timbre da sua voz e as falas que diz estejam em plena harmonia com a atmosfera que escolheu.

Stanislavski costumava dizer que é uma boa coisa um ator poder apaixonar- se por sua personagem antes de começar a trabalhá-la. Apaixonar- se nesse caso seria apaixonar-se pelas atmosferas que envolvem o personagem.

Pg. 166
Stanislavski estava convencido de que se o diretor ou ator, por alguma razão, não passavam por tal período de paixão, poderiam encontrar mais tarde inúmeras dificuldades em seu trabalho, numa peça ou num papel. Sem dúvida, essa devoção, esse amor, poderia ser chamado o “sexto sentido” que nos habilita a ver e a sentir coisas que se mantém obscuras para outros. (...) Portanto sua abordagem do papel por meio de atmosferas dar-lhe-á uma grande oportunidade de descobrir na personagem muitas características interessantes e importantes,e nuanças sutis que, de outro modo, poderiam escapar facilmente a sua atenção.

(...) Procure definir a qualidade ou as qualidades gerais e mais características do papel em que vai trabalhar. Poderá descobrir, por exemplo, que as qualidades gerais do caráter de Falstaff são a malícia e a covardia; ou que D. Quixote pode possuir a qualidade de desenvoltura combinada com a de romantismo e coragem. (...) Cada personagem tem suas qualidades penetráveis e definíveis.

Pg. 167
Tendo encontrado a qualidade geral para a personagem como um todo, e tendo- a vivenciado com a sensação de um sentimento desejável, procure interpretar seu papel sob a influencia dela. Interprete- o primeiro em sua imaginação, se desejar, e depois comece ensaiando- o concretamente (em casa, ou no palco).

Assim fazendo, você poderá descobrir que as sensações que usa para despertar seus sentimentos genuínos não são inteiramente corretas. Se assim for, não hesite em altera-las repetidas vezes, até se considerar inteiramente satisfeito.

Tendo escolhido as sensações gerais da personagem, faça apontamentos à margem do script. Como resultado desse procedimento, você terá sempre um certo número de seções ou fragmentos em que seu papel inteiro será subdividido. (...) Quanto menor for o número de fragmentos ou seções, mais úteis serão para seu trabalho prático em cima do papel que lhe coube. Serão suficientes umas dez seções para um papel teatral ou cinematográfico de tamanho médio. Ensaie sua personagem de novo. Obedecendo fielmente as anotações que registrou.

Pg. 167-168
Uma outra abordagem do papel é por meio de Gestos Psicológicos (GP). Tente encontrar o GP correto para a personagem como um todo. Se não conseguir descobrir imediatamente o GP global para o papel, pode inverter o processo e recomeçar pela descoberta de GP’s menores, através dos quais o principal ficará lentamente à vista.

Pg. 168
(...) Se, quando aplicar um GP na prática, descobrir que ele não é inteiramente correto, deverá melhora- lo de acordo com seu gosto e sua interpretação da personagem. A força, o tipo a qualidade e o ritmo do GP deve ser livre e habilmente manipulados e alterados quantas vezes você repute necessárias.

As sugestões de seu diretor durante os ensaios, os encontros com os demais colegas do elenco e as mudanças no script pelo autor podem constituir outros tantos estímulos para a alteração de seu GP. Assim, mantenha-o flexível até se considerar inteiramente satisfeito com ele.

Defina o ritmo geral em que vive sua personagem, assim como os ritmos particulares de diferentes cenas e momentos, e pratique seu GP de novo, de acordo com esse diferentes ritmos.

Pg. 169
Enquanto emprega o GP como meio de abordagem de seu papel, aplique- o também para determinar as diferentes atitudes que a sua personagem manifesta em relação a outras. Pensar que uma personagem permanece sempre a mesma enquanto contracena com outras personagens da peça é um erro crucial que até experientes atores cometem com freqüência.

Observe a si mesmo e verá de que modo diferente começa instintivamente a falar, a movimentar-se, a pensar e a sentir quando se encontra com pessoas diferentes, mesmo que a mudança que os outros produzam em você seja pequena ou quase imperceptível. É sempre você mais outrem.

Releia todo seu papel e tente definir que sentimentos gerais (ou sensações de sentimentos) as outras personagens despertam na sua. Fazem- no sentir-se cordial, indiferente, frio, desconfiado, confiante, entusiástico, hostil, tímido, covarde, circunspecto ou o que?

Pg. 169-170
Descobrirá freqüentemente que o principal GP que expressa sua personagem como um todo necessitará apenas de uma ligeira alteração para incorporar sua atitude geral em relação às outras personagens. A aplicação do GP permite a oportunidade ímpar de pintar seu papel em várias cores, tornando assim seu desempenho rico em tonalidades e fascinante de observar.

Pg. 170
Caso deseje iniciar seu trabalho construindo a personagem e a respectiva caracterização, comece seu jogo com o corpo e o centro imaginários, procurando traços característicos que sejam apropriados a seu papel. No começo poderá usar separadamente o corpo e o centro imaginários e combiná-los mais tarde.

Afim de adotar e adquirir fácil domínio sobre eles sugere-se que tome seu script e copie todas as intervenções de suas personagem, incluindo entradas, saídas e cada movimento por mais insignificantes que possam parecer-lhe.

Depois, um por um, comece executando todos esse acontecimentos, grandes e pequenos, tentando obedecer as inspirações, sejam elas quais forem, que lhe sejam por ventura dadas pelo centro ou pelo corpo imaginários, ou por ambos. Não exagere, não enfatize excessivamente a influencia deles, ou então seus movimentos se tornarão artificiais.

(...) Se o que você sinceramente deseja é uma expressão sutil e caracterizada de sua caracterização, deixe que seu bom gosto e sentimento de verdade sejam guias nesse agradável “jogo” com o corpo e o centro imaginários.

Pg. 170-171
Após um certo lapso de tempo, acrescente ao exercício algumas frases ligadas a seu papel; umas poucas, no início, depois cada vez mais, até que o texto de seu papel seja ensaiado na íntegra desse modo. Logo, aprenderá que espécie de fala a sua personagem está propensa a adotar- lenta, rápida, tranqüila, impulsiva, refletida, leve, pesada, (...) Todas essas nuanças de fala lhe revelarão através do mesmo meio do corpo e do centro imaginários, se você obedecer fielmente às sugestões deles, sem ter pressa em obter resultados.

Pg. 171
Desde o começo de seu trabalho com a personagem, poderá também utilizar algumas das Leis de Composição (...) Recomendo fortemente a sua atenção os princípios sugeridos por Stanislavski para a abordagem de um papel. Stanislavski chamou-lhes Unidades e Objetivos.

Unidades e Objetivos são, talvez, sua mais brilhante invenção e, quando adequadamente entendidos e corretamente usados, podem conduzir imediatamente o ator para o próprio cerne da peça e do papel, revelando-lhe sua construção e dando-lhe uma base firme sobre a qual interpretar sua personagem com plena confiança.

Pg. 172
(...) O objetivo é o que a personagem (não o ator) deseja, quer; é sua meta, seu propósito. Os objetivos seguem- se uns após outros, em sucessão (ou poderão sobrepor-se parcialmente).

Todos os objetivos da personagem se fundem num objetivo global, formando uma corrente “lógica e coerente”. A esse objetivo principal, chama Stanislavski o Superobjetivo da personagem. Isso significa que todos os objetivos menores, seja qual for seu número, devem seguir a um único propósito, realizar o superobjetivo (o principal desejo) da personagem.

No intuito de denominar o objetivo, de fixá-lo em palavras, Stanislavski sugeriu a seguinte fórmula: “Eu quero ou eu desejo fazer isso e aquilo...”, e depois segue- se o verbo expressando o desejo, a meta da personagem. Eu quero persuadir, eu quero livrar- me de, eu desejo compreender, eu desejo dominar e assim por diante. Nunca use sentimentos e emoções enquanto estiver definindo seus objetivos- como quero amar ou desejo sentir-me triste-, porque sentimentos e emoções não podem ser feitos. Ou você ama ou sente-se triste ou não. O verdadeiro objetivo encontra- se na vontade de sua personagem.

Pg. 173
Comece por dividir primeiro o papel ou a peça em três grandes unidades ou seções, depois, se necessário, faça qualquer número de subdivisões.

Pg. 174
Em o Inspetor Geral, o Prefeito prepara-se para a batalha contra o Inspetor, dando instruções detalhadas aos seus funcionários. Essa é a Primeira Unidade para a personagem do Prefeito. A Segunda Unidade: chega o falso Inspetor e a batalha começa. Alonga, paciente e laboriosa trama do prefeito é coroada de êxito. O perigo passou, a vitória foi garantida. A Terceira Unidade: a descoberta do fatal equívoco. A chegada do verdadeiro Inspetor. O Prefeito, os funcionários e as mulheres são derrotados, humilhados e aniquilados.
Tendo encontrado as três unidades principais, você pode passar ao estabelecimento de suas subdivisões, acompanhando sempre o desenvolvimento da batalha que está em curso na peça.

Pg. 175
Stanislavski acrescentou que, com bastante freqüência, só depois de muitas representações, quando a reação do público se torna evidente, é que o verdadeiro superobjetivo pode ser percebido e fixado. Dessa afirmação de Stanislavski, somos levados forçosamente a inferir que o ator deve contentar-se, muitas vezes, com um certo número de objetivos menores da personagem, sem saber aonde eles o conduzem. Mas minhas asserção é que, para um ator, é de suprema importância conhecer de antemão ou ter algum conhecimento prévio sobre a meta final dos objetivos secundários; ou seja, compreender a principal finalidade da personagem.

(...) o ator deve estar consciente do superobjetivo para o papel inteiro desde o começo. Pois, de que outra forma poderá fundir todos os objetivos numa “corrente lógica e coerente” sem cometer erros?

Pg. 175-176
Sabe- se que cada personagem mais ou menos significativa trava um combate ao longo de toda a peça, está em conflito com alguém ou alguma coisa. Ele vence ou perde a batalha. Suponha-se que ponderemos as seguintes perguntas: O que acontece à personagem? O que é que ela faz ou pretende fazer depois que obteve sua vitória? O que faria ela se vencesse sua luta, o que deveria fazer? A resposta a essas perguntas semelhantes pode indicar mais precisamente a troco de que esteve a personagem combatendo ao longo de toda a peça ou qual era seu superobjetivo.

Pg. 177
Se desejarmos, poderemos tentar descobrir objetivos menores para a personagem cujo superobjetivo já está desvendado ou, pelo menos, já nos foi indicado. Já não vacilaremos, como teria acontecido se começássemos buscando primeiro os objetivos menores. Daí em diante, o superobjetivo revelará todos os objetivos menores que lhe estão subordinados.

Mais uma vez, insisto em que se adie o trabalho de encontrar os objetivos menores. Existe ainda um ponto de vista superior a ser atingido, pode-se galgar ainda mais alto, até o próprio cume, do qual é possível observar toda a peça como um vastíssimo panorama, com todos os seus eventos, unidades e superobjetivo das personagens nele contidas.

Você encontrará o superobjetivo da peça inteira, ou pelo menos preparará o caminho para a sua descoberta se aplicar o mesmo método de fazer perguntas. Mas, dessa vez, não se dirija às personagens, recorra diretamente ao público. É claro que não precisa e nem deve esperar por um público real mas pode imaginar seu público e antever-lhe as reações futuras.

Pg. 178
O ator curioso poderá perguntar-se por que será necessário consultar o público imaginário. Não seria mais simples consultar diretamente o autor, estando sua peça com vistas à descoberta de sua idéia mestra, de sua concepção do superobjetivo ? O resultado não seria, afinal,o mesmo?

Não, não seria o mesmo! Por mais fielmente que um ator ou diretor leia uma peça, trata-se ainda de sua própria interpretação do que o autor pretendeu dizer. E, seja qual for a intenção do autor, o que o público interpreta de sua peça é o que constitui o superobjetivo decisivo.
Pg. 179-180
No começo, as experiências do público imaginário surgirão aos nossos olhos como uma impressão espontânea, imprecisa e geral. Mas, devemos deduzir daí todas as conclusões nítidas e específicas, formular todos os pensamentos potenciais e definir todas as emoções. Um pouco de prática com esse experimento deve tornar-nos competentes em sua execução e assegurar-nos o sentimento de que o público imaginário não nos desapontará.

Pg. 185
(...) Nunca tente discernir qualquer objetivo com sua mente racional. Esta pode deixá-lo frio. É possível que o conheça, mas não o deseje, ou não o queira. Poderá permanecer em sua mente como uma manchete, sem instigar sua vontade. O objetivo deve ter suas raízes no ser todo e não na cabeça apenas. Suas emoções, sua vontade e até seu corpo devem estar inteiramente “cheios” com o objetivo.
Pg. 187
 O objetivo convertido num GP que instiga o ser inteiro e o ativa, pode ajudá-lo a superar a dificuldade de não estar se apropriando do mesmo.

Por mais consciencioso que você ou seu diretor possam ser, não é necessário usar todos os meios disponíveis de uma só vez. Pode escolher aqueles que mais o atraem ou aqueles que lhes propiciam os melhores e mais rápidos resultados. Não tardará a notar que alguns são mais adequados para um papel e alguns para um outro.