quarta-feira, 18 de maio de 2016

Encarando a timidez

Jogos Teatrais I

Vila Velha- ES em 18 de Maio de 2016



Representar é metade vergonha, metade glória. Vergonha de se exibir, glória quando você consegue se esquecer de si mesmo. 
                                                                                                                                            John Cielgud

Como mencionado anteriormente, a peça A cadeira de Sente- se quem puder precisou ser reelaborada ao ponto de modificarmos totalmente e deixarmos em jogos de improvisos, levando a grandes polêmicas e medo de muitos alunos que ainda não se sentem confortáveis em jogos. Com o intuito de nos guiar e ajudar frente ao medo, Rejane nos passou um texto de Anne Bogart, em que há um capítulo enfatizando a Timidez e também ficamos de fazer um Brain Storming de situações para que termos alternativas no dia da apresentação. Começo informando que apesar de minhas atitudes de apoio ao improviso, meu coração palpitava loucamente toda vez em que minha vinha a imagem do improviso em palco. Mas Rejane foi avassaladora na escolha do texto, eu pessoalmente já tenho uma admiração muito grande por Anne Bogart, porque iniciei uma leitura sobre o mesmo livro " A Preparação do Diretor" e fiquei maravilhada com os estudos da mesma e seu olhar frente os obstáculos que lhe apareciam.  Anne é uma ótima observadora e pesquisadora. Relembrando vários dos improvisos que fiz com meus amigos e lembrando de minhas frustrações acabei tomando grande parte de meu tempo como reflexão do que eu temo tanto em mim, do que eu temo em palco. A verdade é que sempre gostei de estar num palco, mas antes eu não exatamente atuava e sim dançava, se no teatro devemos memorizar textos, saber lidar com emoções,... Bem, na dança não é diferente, devíamos saber cada lugar a ser preenchido, a distancia exata para que os movimentos e acrobacias dessem certo, devíamos saber lidar com a adrenalina de não errar a coreografia e fazê- la intensamente ou levemente de acordo com o que cada estilo de música pedia, a transição na iluminação e principalmente saber lidar com o erro, no qual todos os participantes estavam propícios. Lembro- me da vez que fui dançar Cam Cam, a nossa professora quis colocar um pouco da arte folclórica acrescentando no figurino a saia florida, mas deixando o vermelho no corpete ressaltar e as camadas na parte interna da saia rodada em tons alternados, sem esquecer logicamente da meia arrastão a sapatilhas pretas. Eu senti um pouco de vergonha no início por ter fazer movimentos que por vezes mostravam partes do meu corpo que não costumava mostrar, mas meu amor pela dança é tão grande que, no momento em que eu entrava no palco eu apenas queria sentir toda aquela sensação, a sensação que só pode sentir quem sobe num palco. Os olhos brilham e você sabe que brilham porque a adrenalina toma conta e praticamente conseguimos enxergar através de nós a luz, o corpo se movimenta e a mente também, porque ela está ali funcionando e lembrando de cada detalhe, de cada posicionamento e há algo que acho mais incrível ainda- O Tempo. O tempo é imparcial e quase um inimigo, falo porque passamos meses ensaiando algo que dura meia hora ou uma hora em palco mas que dura segundos quando estamos fazendo- o. Sabe, é como a sensação térmica, sentimos 4º C quando na verdade a temperatura é de 10ºC. É tudo tão rápido e você quer sentir cada momento... acho que cada apresentação é única. Ao falar da dança, não a coloco acima do teatro, apenas faço analogia as sensações de duas áreas que nos levam a momentos magníficos como esse que descrevi. Eu sempre tive medo de não poder pisar mais num palco. A minha mãe começou a ficar muito preocupada num período com minha saúde e meu curso de Física, isso porque eu havia voltado a dançar e saía correndo da aula para chegar à tempo nos ensaios. Então minha vida estava numa loucura... pensando na preocupação de minha mãe, resolvi que seria melhor me afastar do palco e concluir meu curso para ter no que me garantir financeiramente e decidi participar de um último espetáculo já quase no final de ano. Hoje, pensando nisso, lembro exatamente as sensações de minha despedida. Com as coxias fechadas, fizemos um ultimo e breve ensaio retomando as posições de cada componente e meus amigos voltaram para se arrumar. Eu fiquei no palco... fiquei de cócoras e conversei comigo mesma- Bem, sami, chegou o momento, sinto que essa pode ser a última vez então,.. apenas dê o seu melhor ok? Eu dei o meu melhor. O nosso grupo deu o melhor e fizemos um lindo espetáculo. Bogart menciona um comentário do diretor japonês Tadashi Suzuki sobre a atuação e entrega frente o obstáculo: Não existe a boa ou a má atuação, apenas graus de profundidade do motivo pelo qual o ator está no palco. (p. 121) No meu caso, vi como um momento em que daria início à transição de fase em minha vida. Por vezes me questionei se seria assim mesmo, se eu acabaria fora dessa vida apaixonante e sacrificante? Quando finalizei, muitas pessoas parabenizaram não somente a mim, mas a meus amigos também pela qualidade de nosso trabalho e minha irmã ficou maravilhada, isso porque ela acima de qualquer pessoa não aceitava que eu estava me desligando da dança. Sendo estudante de Artes Cênicas, ainda não possuo experiências na área como atriz, mas vejo em obstáculos como esse que surgiu, a oportunidade de enfrentar e aproveitar o desconhecido. 
Há duas pessoas que gostaria de citar dessa vez, a primeira é Kelly, minha amiga e também aluna do curso. Eu costumo falar para o meu marido que a minha mãe está ligando e então ele já sabe de quem estou falando, isso porque a Kelly me liga de dia, à noite, na hora da aula, quando estou tomando banho,. enfim... já fui até acordada por suas ligações e o mais engraçado nisso tudo, é o fato de que se eu não atender o telefone ela passa o dia reclamando que eu não a atendo. Eu fico morrendo de rir, não levo a mal pois já sei do gênio forte da pessoa e o motivo da ligação. As perguntas de Kelly são: "Amiga, eu fui bem na apresentação?" "Há mais eu não gostei..." "Eu não sei o que falar" ou "Eu não sou boa em jogos". Então eu fico estupefata com isso porque eu vejo nela muito potencial, a voz dela ecoa, ela tem presença em palco e quando não sabe o que falar sai aquela frase especial com risos sem graça que nos faz rir muito. Como pode ela não ser engraçada? A Rejane mencionou o texto de Bogart e quando li eu lembrei não somente de mim, mas principalmente de Kelly e da próxima pessoa na qual irei comentar, que é a Thais Furtado. Por vezes, conversando com Thais me surgiu a seguinte pergunta em mente. Essa pessoa é assim mesmo ou age propositadamente? Como pode alguém falar com tamanha inocência, bem as vezes em momentos errados, obviamente, porém inocentemente. Ela é esse tipo de pessoa, única. A Thaís costuma segurar nossas mãos antes de ir para frente apresentar algum trabalho ou simplesmente fica com o olho a ponto de explodir. Mas, quando ela começa eu sinto muita energia, cenicidade e principalmente criatividade durante seus comentários. Talvez a inocência e o medo dela faça com que a mesma veja situações em ângulos totalmente diferentes dos que a maioria consegue enxergar. Bogart fala que esse desconforto é um mestre.
O bom ator corre o risco de se sentir desconfortável o tempo todo. Não há nada mais emocionante do que ensaiar com um ator que está disposto a pisar em território desconfortável. A insegurança mantém as linhas tensas. Se você tenta evitar sentir- se desconfortável com o que faz, não vai acontecer nada, porque o território permanece seguro e não é exposto. O desconforto gera brilho, realça a personalidade e desfaz a rotina. (BOGART,p. 119) 

A respeito disso, penso que por vezes não nos deixamos entrar nesse clímax. Sair de nossa zona de conforto realmente não é fácil, encarar o medo não é fácil. Esse desconforto que existe na maioria de nós espera ansioso para contagiar a todos no palco. A plateia também sente algo, pode ser que não se descubra exatamente o que é ou pode ser que simplesmente fique perceptível a todos. Como estamos numa caminhada ainda como bebês, cada um ao seu tempo se descobrirá e se deixará explodir frente à junção do desconhecido e da vulnerabilidade. 
Pensando nisso escolhi um vídeo que acho muito bom, o jogo de escuta dos Barbixas lida muito com o desconhecido. O que gera a cenicidade e explosão em palco. 



O fato de ter de interpretar algo que não encontra- se em seu campo de visão é perfeito, pois gera um conflito de continuidade nas cenas, levando à comicidade. 
Ainda durante a aula fizemos o brain storming de situações, nas quais saíram por exemplo ideias como:
- Drag no Skate
- O enfermeiro que tem medo de sangue
- Os sete anões que tentam fazer com que branca de neve acorde, mas na verdade ela gostava da bruxa má;
- Uma pessoa que não sabe libras tenta dar uma informação a um surdo;
- Excussão numa casa mal assombrada;
- Filho tenta contar aos pais gays que é hétero;
- Dois policiais tentam contar à mãe que o filho morreu;
- Irmãos tentam ganhar a herança da mãe que faleceu;
- Rapaz tenta descobrir qual das amigas está grávida;
- Um político com amnésia tenta descobrir o que está acontecendo durante a entrevista que está dando;
Entre outros,..

Referências
BOGART, Anne. A Preparação do Diretor. ed. São Paulo, 2011. 
ARRUDA, Rejane. Arranjo e Enquadramento na Política do "E": Por uma Pedagogia do Teatro Híbrida.  

Att.: Sami Cassiano

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